Noé: o êxito de um pessimista


José Pio Martins*

Jorge Paulo Lehman, o homem mais rico do Brasil e um dos mais ricos do mundo, foi perguntado se era pessimista ou otimista em relação à economia e às possibilidades do país. Ele respondeu: “Prefiro ser otimista. Não conheço muitos pessimistas bem-sucedidos”. De fato, as pessoas pessimistas, sempre descrentes de tudo e de todos, acabam se tornando chatas, indesejáveis e, muitas vezes, incapazes de realizar qualquer obra por descrença no sucesso.
Os extremos – ser eternamente pessimista ou ser sempre otimista – são ambos irracionais. O sujeito que é negativista, pessimista em tudo e descrente de tudo, opina e age mais em função de seu estado de melancolia interior do que em razão dos dados e fatos da realidade em questão. O contrário, aquele sujeito que acha tudo uma maravilha e não vê o mal em nada, é apenas um ingênuo acometido da “síndrome de Pollyanna”.
Em 1913, a escritora Eleanor H. Porter publicou um romance intitulado Pollyanna, que acabou se tornando um clássico da literatura infanto-juvenil. Nele, uma menina de 11 anos deixa sua cidade, após a morte de seu pai, um missionário pobre, para ir morar com uma tia rica e severa. A menina Pollyanna passa a ensinar às pessoas o “jogo do contente”, que seu pai lhe ensinara e consiste em procurar extrair algo de bom e positivo de tudo, incluindo dos eventos mais desagradáveis da vida.
A autora era presbiteriana e usava o jogo em seu trabalho de evangelização cristã, para ensinar que as pessoas devem cultivar a felicidade, o amor e o bem, mesmo nas situações mais adversas. É uma mensagem bonita, mas, se levada ao extremo, deixa a pessoa ingênua e de certa forma indefesa diante dos males que há no mundo. Já o pessimismo pode ser apenas a constatação de um mal real ou a identificação correta dos defeitos do objeto analisado.
Em se tratando de um empreendedor, cuja decisão de investimento depende de conhecer o real quadro político e econômico do país, a arte de identificar os problemas e os males do sistema não é pessimismo, é realismo para que não se tomem decisões erradas, cujo resultado pode ser a falência. O otimismo de que falava o empresário Jorge Paulo Lehman diz respeito muito mais à atitude arrojada de quem se dispõe a correr riscos calculados em ambiente de incerteza do que atitude ingênua de ver qualidades onde elas não existem.
Lehman não é nem nunca foi uma Pollyanna ingênua. Se fosse, ele jamais chegaria ao posto de homem mais rico do Brasil e empresário que, com seus sócios, está conquistando o mundo e adquirindo empresas gigantes até nos Estados Unidos. Já circulou por aí que, após seu grupo comprar empresas icônicas naquele país, Lehman e seus sócios estão de olho na compra da Coca-Cola. A ousadia deles pode ser tachada de otimismo, mas não há dúvida de que suas decisões serão duras, lógicas e realistas.
Noé se safou após o dilúvio por uma simples razão: ele resolveu acreditar no anúncio de Deus sobre a gigantesca tempestade e, com seu pessimismo, dedicou-se a construir uma arca no deserto, sob o olhar crítico daqueles que diziam que ele estava louco. Eles viviam numa região desértica, onde podia acontecer tudo, menos um dilúvio capaz de fazer a Terra sumir debaixo das águas. Diz a lenda que Noé salvou a si, sua família e os animais escolhidos por causa de seu enorme pessimismo. Muitas vezes, aquilo que chamam de pessimismo é apenas realismo sensato e lógico.
Ser otimista como um jeito de viver, com alegria no coração e vontade de agir, é uma coisa. Não acreditar nos demônios e no mal, mesmo quando estão diante de nós, é outra coisa: é ingenuidade. Estamos vivendo algo similar no Brasil, sobretudo em relação à corrupção. Uns acreditam que todos são corruptos, outros acreditam que ninguém é (sobretudo se forem de sua ideologia). Os dois lados estão equivocados.
 
*José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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