O penhasco, a cabana e a Previdência

 
 
 
Flavio Amary (*)

Conta antiga lenda que certas comunidades adotavam métodos cruéis para resolver o problema dos idosos. Quando deixavam de ser produtivos em função da idade, homens e mulheres eram arremessados de altos penhascos. Afinal, o grupo não teria como sustentá-los. A comida, que era pouca, tinha de ser destinada àqueles que ajudavam na plantação. Encurtar a vida de quem envelhecia seria mais humano do que a morte lenta por inanição e desabrigo.

Outra lenda relata que, por tradição, quando o homem se tornava velho demais para trabalhar, era levado pelos filhos a uma cabana em lugar distante e lá abandonado para morrer, recebendo apenas uma manta para as noites frias. Mas esta estória tem um final diferente quando um pai decide dividir a manta com o filho que o levou. "Guarda esta outra parte para quando os teus filhos te vierem cá abandonar", disse o pai. A partir de então, aquela absurda tradição foi proibida.
Quanto mais estudamos a preocupante situação da Previdência no Brasil, mais entendemos que, em pouco tempo, não haverá recursos suficientes para garantir aposentadorias.
É pura matemática. Se a população envelhece e a taxa de natalidade cai, em alguns anos teremos poucos trabalhadores ativos a sustentar uma imensidão de inativos.
Se a reforma da Previdência não ocorrer imediatamente, qual será o destino de nossos idosos? A cabana? O penhasco?
O Brasil, que já carrega a mácula de ter sido o último país a libertar os escravos, desejará também ser o último a evitar que milhões de cidadãos sejam lançados à miséria absoluta?
O Fórum Econômico Mundial de 2017 conclui que a longevidade impõe imensos desafios. As implicações são tão graves que o tema foi classificado como risco sistêmico de longo prazo.
Atualmente, a população global acima de 60 anos é de 1 bilhão de pessoas. Em 2030, somará 1,5 bilhão. Em 2050, será de 2,3 bilhões, equiparando-se ao número de crianças. E a expectativa de vida continuará aumentando, graças ao modo de vida e aos avanços no campo da medicina. As crianças de hoje viverão mais de 100 anos.
Além de ser a faixa etária que mais cresce no planeta, a idade média avançará muito até 2035. E os países que envelhecerão mais rápido são China, Índia, Brasil e Indonésia.
Até 2050, a população brasileira terá acréscimo de quase 34 milhões de pessoas. Nesse período, o número de idosos aumentará em aproximadamente 30 milhões.
Para que as próximas gerações possam sobreviver, com acesso à educação, saúde, moradia, emprego e aposentadoria, a maioria dos países já modificou seu regime previdenciário para acompanhar a maior longevidade.
Por aqui, corremos o risco de a Câmara dos Deputados sequer incluir o tema na pauta deste ano!
Embora não resolva todos os problemas, a reforma que precisa ser votada agora nada tem de impopular, pois focaliza apenas três aspectos essenciais: a equiparação entre trabalhadores dos setores público e privado, a gradual elevação do limite de idade (20 anos!) e o fim de privilégios como as mega-aposentadorias.
Quem fala que tais mudanças suprimem direitos não percebe que, na verdade, elas vêm para garantir direitos. O direito a uma renda para envelhecer com o mínimo de qualidade de vida, afastando qualquer possibilidade de se imaginar que a melhor saída seria a cabana ou o penhasco.
(*) Flavio Amary é presidente do Secovi-SP e reitor da Universidade Secovi-SP.

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