O papel do professor diante da discriminação racial em sala de aula

Tereza Cristina de Souza Prazeres (*)
 
É consenso que a rotina de trabalho de um professor vai muito além do que exigem as atribuições normais da função. Ele atua como um verdadeiro gestor em sala de aula; como mediador de conflitos e opiniões e, acima de tudo, como exemplo de conduta para os seus alunos. 
Um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelas escolas é a discriminação racial, herança do nosso trágico passado escravagista, o que gera rejeição e bullying, ou seja, violência psicológica e até mesmo física contra alunos negros. Frente a tal situação lamentável, é evidente que se pergunte qual é o papel do professor face a esse problema? 
Uma criança branca que entra em uma escola pode estranhar a existência de um colega negro sem necessariamente que isso caracterize preconceito. O período de adaptação é um momento de transição e todas as novidades na escola podem parecer intimidadoras aos olhos da criança. Quem precisa mediar à situação acolhendo os alunos, auxiliando-os em sua percepção quanto às demais crianças, é o educador. Na maioria dos casos em que o professor intervém rapidamente, os acontecimentos envolvendo estranheza de alunos a colegas negros não chegam a virar problema. 
Existem ocasiões em que uma criança branca se recusa firmemente a sentar-se ao lado de um menino ou menina negra, negando-se a fazer os trabalhos juntos e a dividir o banco do refeitório. Nos casos em que a criança apresenta indícios de discriminação racial por outra criança, como o professor deve agir? Ele deve esperar até o mês de novembro – Dia da Consciência Negra – para abordar o assunto em sala de aula? 
Os traumas que o sentimento de rejeição e de exclusão podem causar em uma criança podem se tornar irreversíveis. Não se trata de um acessório de vestuário, por exemplo, que a criança pode simplesmente se negar a vestir novamente. A cor de pele não é escolha dela e não poderá ser alterada por vontade própria. Analisando a situação, o educador precisa agir para resolver a questão rapidamente e incluir em seu gerenciamento rotineiro a mediação de um problema que pode se propagar por toda a classe e até ultrapassar os muros da escola. 
Sabemos que não é usual em nossa sociedade tomar ações preventivas contra atitudes preconceituosas e as escolas seguem essa mesma tendência. A própria cartilha de bullying retrata bem isso quando orienta o professor sobre como proceder depois que o fato já ocorreu, mas em momento algum levanta questões sobre como prevenir o bullying. Estamos cientes da importância da tratativa imediata e de forma adequada nesses casos, muito embora o ideal seria evitar que a agressão ocorresse. 
Quando questionado sobre preconceito, bullying e agressividade das crianças, o profissional da educação geralmente responsabiliza exclusivamente a família e não se dá conta do quanto suas ações têm influência sobre os alunos. O aluno tem obviamente um direcionamento, uma percepção para comportar-se desta ou daquela maneira, espelhando sua vivência familiar; porém a escola tem igual influência na formação de seu perfil comportamental. 
No momento em o professor chama os alunos brancos pelos seus nomes enquanto dirige-se “carinhosamente” ao aluno negro pelo apelido de “neguinho” ele abre um precedente para que os colegas também o chamem dessa forma. Ocorre o mesmo quando o professor chama uma aluna que está acima do peso de “fofinha”. Neste caso será ele, o professor, e não a família, quem está abrindo a porta para um padrão de atitudes das crianças que poderá resultar em discriminação, exclusão ou bullying. 
A conduta do professor não pode em hipótese alguma ser tendenciosa. O tratamento deve ser igual para todos, chamando todos os alunos pelo nome, sem adjetivar ninguém em razão de suas características físicas. E a criança é peralta! Em muitos momentos passa a repetir a fala do professor, mas a interpretação feita pela criança pode não corresponder ao que o professor tinha como intenção quando falou; então para evitar esse tipo de mal-entendido, ele deve chamar cada aluno pelo nome próprio.  
Portanto, professor e família dividem as responsabilidades na formação do pensamento da criança e de como ela se comporta diante das situações. As ações, gestos e falas de todas as pessoas que fazem parte da vida da criança têm grande influência na formação de opinião, para o bem ou para o mal, ajudando a construir sua visão de mundo. 
Ações pontuais não trazem resultados satisfatórios para a formação de um cidadão crítico e consciente. O combate ao preconceito, em suas diferentes facetas, não terá resultados efetivos se só acontecer uma vez no ano. A atuação do professor para combater a discriminação deve ser permanente. 
E a discriminação atinge também outros grupos étnicos, como os índios. Como conseguiremos conscientizar a criança de que a cultura nativa faz parte da nossa formação cultural como nação se só nos lembramos dos índios no dia 19 de abril? Esse é um ponto em que o professor tem falhado geração após geração. Ora, somos um povo fruto da miscigenação; por que não assumir essa perspectiva e trazê-la, por exemplo, para rotina dos trabalhos de classe? 
Precisamos conscientizar as crianças de que nossas raízes são indígenas, negras e brancas para que nossas crianças, desde a Educação Infantil, aceitem com naturalidade o fato de ter amigos de todas as etnias. Transformar a fala sobre respeito e igualdade em um hábito contribuirá significativamente para a diminuição de um problema que paira sobre a nossa sociedade. 
O professor deve escolher para o seu material de apoio personagens e situações que representem essa realidade multiétnica e multicultural, independentemente das efemérides. Ele não deve esperar que um aluno de uma etnia oprimida consiga sozinho reconhecer-se ou desejar ser um herói, um escritor, um príncipe, um inventor ou personagem de sucesso, se em toda sua vida ele nunca se viu retratado dessa forma, se essa possibilidade nunca foi demonstrada pelo professor em sala de aula. Afinal, a principal missão do educador é desenvolver pessoas para torna-las cidadãs. 
Portanto, o educador não pode ficar neutro frente a uma injustiça cometida contra um aluno. Ele deve assumir um papel ativo contra todo tipo de discriminação, exaltando a importância e a beleza de todas as etnias que juntas formam a nossa população. E para isso ele não precisa ser um especialista em história, nem um ativista social. Precisa apenas ser um bom exemplo para seus alunos.
 
(*) Tereza Cristina Prazeres é instrutora técnica na empresa Planneta (www.planneta.com.br). Atua com Educação Infantil e, na rede municipal de Osasco, no programa Informática na Escola, oferecendo o uso da Tecnologia Digital da Informação e Comunicação como um recurso didático e pedagógico no contexto educacional.  
 

Comentários