Identidade e imagem dos políticos

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor
político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato



Se há uma ambição comum aos políticos é construir e manter uma imagem positiva junto aos eleitores e perante a sociedade. A imagem dos políticos de todas as esferas está soterrada. As Casas parlamentares – câmaras de vereadores, assembléias legislativas, Câmara Federal e Senado – recebem nota de desaprovação dos brasileiros. Governantes – prefeitos, governadores e presidente da República - são mal avaliados. O fato é que a sociedade parece de costas para a política, sob um pesado clima negativo que joga as margens da rejeição para índices acima de 60% a 70%, algo nunca visto.

Afinal, o que significa imagem? É preciso distinguir imagem de identidade. Por identidade, compreende-se a coluna vertebral do político, englobando coisas como seu pensamento, história de vida, feitos e fatos relevantes de sua trajetória, comportamentos e atitudes. Portanto, a identidade é a verdade do político. Já a imagem é a projeção da identidade, ou seja, é a percepção produzida por associação de ideias, observação sobre atos e maneira de ser.

Essa percepção vai se alongando no território mental dos observadores, a partir das expressões que estes captam, seja por meio de conceitos e ideias, seja por meio da estética (maneira de falar, de vestir, de gesticular etc). Isso explica, por exemplo, como a boa imagem de um político poderá se afunilar e acabar se tornando negativa. De tanto repetir os mesmos cacoetes, conceitos politicamente incorretos, gafes e coisas do gênero, figurantes tendem a sair do conforto da boa imagem para o inferno das más avaliações.

A identidade equivale à sombra abaixo dos pés de uma pessoa submetida ao sol do meio dia. Não se vê resquício de sombra, eis que os raios do sol incidindo sobre o centro da cabeça não a deixam aparecer. Entendamos que, sob o sol do meio dia, a imagem corresponde exatamente à identidade. À medida que o sol se inclina no poente, os raios, incidindo sobre o corpo de uma figura, alargam sua imagem, desenhando no chão a projeção de sua massa corporal. Quanto mais esgarçada, mais a imagem distorce a identidade.

Esse fenômeno ocorre com políticos ou celebridades. Alguns conseguem manter a imagem próxima à identidade, mas a maioria já não consegue. Na projeção, algumas imagens adentram a esfera positiva. Outras, não.

Quem está com a imagem no altar da admiração? Sérgio Moro, um deles. Sua identidade é a do juiz sério, que cumpre a missão profissional e desperta a alma cívica. No caso, identidade e imagem caminham juntas.

E Lula? É um caso sui generis. Se a racionalidade estivesse mais presente na alma nacional, estariam ele e Dilma mergulhando nos rios de sangue fervente e tomando banho de chuva permanente de brasas no 7º círculo do inferno de Dante. A razão? Porque os cordões umbilicais de ambos estariam amarrados à maior recessão da história brasileira, sendo os responsáveis por nossos milhões de desempregados. Infelizmente para a classe artística, Lula é a encarnação da divindade.

Sob o colchão emotivo, Lula continua a receber as bênçãos de grande parcela da população nordestina. Que enxerga nele o despachante de grandes obras sociais, o semeador que plantou o Bolsa Família e outras benesses. Entrará no pleito. Será um Cristo conduzindo a cruz até o calvário. O mesmo pode se dizer da ex-presidente Dilma Rousseff. Não duvidem se chegarmos a vê-la no Senado em 2019.

Voltando à questão da imagem, o tempo vai apagando mágoas e defeitos. Ouve-se no Nordeste que "Lula roubou, mas fez". A lembrança vem a propósito de Paulo Maluf. Preso após antiga pendenga na Justiça. Constata-se, porém, que, aos 86 anos e com câncer, o ímpeto social contra sua figura arrefece. Já não se vê tanta indignação em relação a Maluf. Foi purgado em parte pela roubalheira desses tempos nebulosos.

Em tempo: triste é ver uma Nação transformar calhordas em heróis. Ou lobos vestindo a pele de cordeiros.
 

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