Revoada na floresta tucana

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor
político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

Os tucanos, apontados como os bichos que mais gostam de pousar em cima dos muros, vivem momentos críticos nesse ciclo de turbulências por que passa o país. O partido da social-democracia brasileira, o PSDB, está rachado. A fissura se acentuou por ocasião da votação na Câmara sobre a denúncia feita pelo Procurador Geral da República, encaminhada ao STF, envolvendo o presidente da República. A Câmara acabou rejeitando por 263 votos a autorização pedida pela alta Corte para investigar o presidente, com a bancada tucana dando 22 votos a favor de Temer contra 21.

O racha se alarga. O partido se aproxima da Torre de Babel, ameaçando a necessária integração de forças, fator absolutamente indispensável para que o PSDB seja forte protagonista no pleito presidencial de 2018.

Já faz tempo que os tucanos enxergam sua identidade coberta de fumaça. Por ocasião de sua fundação, o PSDB apresentou ao país um denso documento, com a descrição da social-democracia que queria implantar. Apontava sua distinção de partidos liberais, a partir da preocupação com o bem-estar coletivo, e a meta de combate à pobreza e à exclusão social.

Os fundadores do partido em 1988 (Mário Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique, José Serra, entre muitos), inspiravam-se na modelagem de forte tradição democrata que se podia ver na Alemanha, Suécia, França, Inglaterra, Holanda e Espanha. Mais adiante, o país elegeu presidente o sociólogo Fernando Henrique. Mas a social-democracia acabou se transformando em gigantesca encruzilhada em que se encontram, hoje, grandes e médios partidos do país: PMDB, PFL/DEM, PT, depois PSB, PDT, PTB e os entes criados nos laboratórios da desideologização, esses que se aglomeram no espaço que se designa de centrão.

O PT, principalmente, saiu da ponta esquerda do arco ideológico para se aproximar do centro, avizinhando-se do PSDB e do próprio PMDB. A descaracterização das siglas jogou-as todas no painel da pasteurização ideológica, sobrando a elas apenas slogans. Ante a fragmentação doutrinário-ideológica, é possível compreender a crise que nesses tempos nebulosos afeta o PSDB. Indivíduos e alas a que pertencem tornaram-se mais importantes que a substância programática. Com o desaparecimento de tucanos de boa origem (Covas, Montoro, Teotônio Vilela, Beto Richa), sobrou Fernando Henrique como o ícone e maestro da orquestra.

No comando do tucanato, apareceram Tasso e Aécio. O partido se esgarçou. Tornou-se um ente igual aos outros, cheio de grupos e posições. Há, por exemplo, uma parcela que defende a retirada dos tucanos do governo Temer e outra que defende sua permanência. Lembre-se que a parceria entre PMDB e PSDB, construída para dar salvaguarda ao atual governo, foi construída sobre um conjunto de ações e reformas aprovadas por ambos. Não haveria razão, portanto, para o PSDB abandonar o navio no meio da travessia. Quem defende a saída o faz por interesses eleitoreiros. Receiam não ganhar votos no pleito de 2018 por conta da impopularidade do presidente.

O chefão tucano interino, senador Tasso Jereissati, quer pedir perdão à sociedade por ter seu PSDB cometido erros, sob a crença de que o reconhecimento público de pecados acabará jorrando votos nas urnas tucanas. Mas há uma turma que não admite ter feito infração. E que tucano poderá ter as asas quebradas? Geraldo Alckmin, que praticou um erro crasso: combinar com o líder Ricardo Tripoli o voto contra Michel Temer na Câmara; e, segundo se viu, ainda sugeriu a saída dos tucanos do Ministério.

Quem ganha com a balbúrdia? O prefeito de São Paulo, João Doria. É o único que simboliza avanços, modernidade, inovação. Um perfil com condições para adentrar as portas da eleição presidencial de 2018 e ser bem-sucedido. As portas de muitos partidos se abrem para ele.

Mais: João Doria lapida sua identidade anti-Lula. Uma alavanca poderosa. Mesmo que Luiz Inácio não seja candidato.

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