CONSTRUIR OU DESCONSTRUIR A PÁTRIA

GAUDÊNCIO TORQUATO
 
         
Os brasileiros estão atônitos com a mais grave crise política que se instalou no País. Manchetes catastróficas anunciando um Apocalipse diário. À perplexidade, somam-se enorme interrogação e indignação. O político e a política tornam-se o alvo. Como se a política fosse descartável numa democracia. Convenhamos, no meio desse furacão o bom senso deve prevalecer, de forma que nesse momento urge respeitar a ordem constitucional.
O Congresso Nacional não pode atropelar a Carta em nome de interesses mesquinhos de qualquer grupo. A história do Brasil é trágica demais para que nos afundemos em casuísmos. Da mesma forma espera-se que o Judiciário atenha-se à letra fria da lei, deixando de lado o viés político.
O fato é que não há saída além da política e é por isso mesmo que os representantes, por seus próprios erros, estão encurralados no canto do ringue, sob a bússola do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário. A Operação Lava Jato põe todos na defensiva.
A reflexão neste momento deve levar ao resgate da dignidade da atividade política. Que se punam os pecadores e que os inocentes promovam este resgate, em estrita obediência à Carta Magna, levando a cabo as reformas necessárias para resgatar a economia, como a trabalhista e a previdenciária.    
A reengenharia voltada para o resgate moral na vida pública é tarefa para mais de uma geração. Mas pode ser iniciada já. Primeiro passo: o homem público deve cumprir rigorosamente o papel que lhe cabe. Segundo: punir os que saem da linha. 
Depois de 517 anos do Descobrimento, a Pátria brasileira continua distante do nosso sonho. Estamos longe daquela emulação coletiva que distingue na Mãe Pátria o anelo da dignidade. Basta observar a situação de descalabro que ameaça o país nessa crise. O vácuo entre os Poderes e a sociedade. A descrença nas instituições. As fontes éticas se esgotam. A Operação Lava Jato recebe ameaças.
Os traços da civilização brasileira carregam uma dose elevada de barbárie. Alguém poderá objetar: mas essa é a inversão moral que toma conta do mundo, ou o paradigma do “puro caos”, como assim designa Samuel P. Huntington, quando assinala a ruptu­ra da ordem, a anarquia crescente, a onda global de criminalidade, a debilitação geral da família e o declínio na solidariedade social.
A hipótese é razoável, mas o adendo é indispensável: o Brasil põe um molho peculiar no cardápio da entropia universal, com as mazelas do passado colonial, entre as quais o patrimonialismo, cujo DNA tei­ma em fundir a res publica com a coisa privada. Essa é a razão da crise e a raiz de nossas excrescências. Por isso, a política, entre nós, é profissão, e não missão. Urge refundar a Re­pública corrompida. Quando uma República se corrompe – lembra Montesquieu –, não se pode remediar nenhum dos males que nascem, a não ser eliminando a corrupção e voltando aos princípios. Como combater a corrupção sem eliminar os corruptos?
A assepsia deve ser geral. A começar pelo Poder Executivo, cujas atitudes devem guiar-se pela ideia de um projeto de longo prazo para o País, com escala de prioridades e abolição de casuísmos, gastos per­dulários, cooptação ilícita de apoios e partidarização do Estado. O corpo parlamentar há de aceitar que o mandato pertence ao povo. O representante é um fiduciário que de­fende interesses gerais, e não particulares, e que tem deveres e direitos. Os quadros do Judiciário hão de lembrar que “os juízes devem ser mais reverendos que aclamados e mais circunspectos que auda­ciosos”, elegendo a integridade como virtude, como ressalta Bacon. Se os Poderes cumprirem as funções que lhes são atinentes, o País avançará, as leis serão obedecidas e as instituições, mais respei­tadas. Teríamos menos violência nas ruas. Partidos e candidatos assépticos. Campanhas mais éticas e menos extravagantes. Eleições mais limpas. A fé voltaria a brotar nos corações.  
 


Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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