GAUDÊNCIO
TORQUATO
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Quanto mais largo o oceano de incertezas que se incrusta na consciência social, deixando classes e grupamentos atordoados e sem condição de distinguir o que os espera nos dias de amanhã, mais forte se torna a convicção de que o país chegou ao fundo do poço, restando a única alternativa: fazer as reformas programadas, ameaçadas de paralisação na esteira da crise que assola a esfera política. Ou o Brasil avança nas frentes das relações do trabalho, do sistema previdenciário, dos tributos e da própria maneira de operar a política ou entrará no túnel do retrocesso.
O
país está numa encruzilhada. Alcançou grandes vitórias, representadas por um
conjunto de medidas voltadas para ajustar as contas públicas (PEC do teto dos
gastos), modernizar a velha estrutura educacional (reforma do ensino médio) e seguir
confiante em duas trilhas que dariam enorme impulso aos pilares do crescimento
econômico, a saber, a reforma trabalhista e a previdenciária.
A primeira será formidável alavanca para repor os
empregos perdidos que afligem 14 milhões de brasileiros. A segunda cuida
da saúde do corpo previdenciário, cuja morte é previsível se não for
administrado o adequado remédio para a metástase em curso, assim diagnosticada:
o aumento da expectativa de vida do brasileiro; em consequência, a rede de
proteção social, que ganhou amplitude desde a Constituição de 88, se estreita,
ameaçando não dispor dos recursos para abrigar massas aposentadas que crescem de
maneira geométrica.
O
governo conseguiu fazer passar pelos corredores da Câmara dos Deputados a reforma trabalhista que hoje tramita no
Senado, sobre a qual persiste a ameaça de ser derrotada. Que razões estão por trás desse risco? Forças
retrógradas, comandada por uma casta sindicalista e sob a tuba de ressonância de
uma minoria que faz barulho, todos em uníssono batendo na tecla: as reformas
tiram direitos dos trabalhadores.
A
martelada expressiva vem de lá de trás, da era lulopetista, com a insistência em
formar o apartheid que divide o país em duas bandas: “nós e eles”, bons e maus;
claro, nós, os mocinhos do planeta petista, e “eles, os bandidos. Mas nesses
tempos de Sérgio Moro e Lava Jato, a farsa foi desmontada.
Ainda assim, grupos abrigados à
sombra do Estado lutam pela manutenção de privilégios e benesses. Gritam
palavras de ordem sobre “perda de direitos”, coisa que não passa de firula para
disfarçar a luta por manutenção de privilégios. O fato é que o país assiste a
uma disputa no jogo do cabo de guerra”: um grupo (classes médias, profissionais
liberais, formadores de opinião) tenta puxá-lo para a frente e outro (habitantes
da República Corporativista), para trás.
O
cenário de incertezas que se desenha dispara a pergunta: afinal, as instituições
nacionais estão exercendo na plenitude suas funções? Há dúvidas. Questiona-se,
por exemplo, a ligeireza com que o Ministério Público fechou o acordo de delação
com os irmãos Batista. E mais: o perdão a eles concedido – viajar, mudar a
residência para outro país e até levar a sede do grupo para os Estados Unidos –
está sendo muito criticado. A defesa do procurador Rodrigo Janot – o discurso de
que seria pior para o Brasil se não tivesse havido o acordo – expressa um fundo
político e não jurídico.
Poderia ele ter deixado escapar
uma prova essencial ao caso que levanta no STF, o gravador usado por Joesley
Batista em sua conversa com o presidente da República? Por que o gravador não
foi periciado pela Polícia Federal? Fez certo o ministro Edson Fachin, ao
aceitar o pedido de Janot para investigar o presidente, quando deveria ter
encaminhado tal solicitação ao plenário da Casa? Alega-se que tal operação não
tem ligação direta com a Lava Jato. As críticas chegam até o juiz Sérgio Moro, a
quem, segundo advogados, faltaria “imparcialidade” para julgar indiciados da
Lava Jato.
Em
suma, nossa democracia atravessa algumas curvas.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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