GAUDÊNCIO
TORQUATO
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A crise frequenta as
conversas de interlocutores que recorrem à pergunta: “onde estamos, para onde
vamos”? Há tensão entre os Poderes, a ponto de se falar abertamente na
interpenetração de suas funções, o que resulta em conceitos como judicialização
da política ou politização do Judiciário. Na verdade, a crise é da democracia
representativa. Que, na visão de Norberto Bobbio, não tem cumprido suas
promessas, dentre elas, justiça para todos, educação para a cidadania e combate
ao poder invisível, este que se desenvolve nas malhas da administração pública,
abrindo amplas teias de corrupção, como se vê na Operação Lava
Jato.
Se
formos pesquisar as fontes que alimentam a crise, esbarraremos no fenômeno da
desideologização. Na sociedade pós-industrial, a administração das coisas
materiais prevalece sobre o campo das ideias. As doutrinas murcham fazendo
morrer as utopias.
A
política passa a servir a uma tríade composta por políticos, burocratas e
círculos de negócios.
Nessa
moldura, definha a competição política amparada nas ideias; ganha fôlego a
burocracia; os grupos sociais tornam-se menos divergentes; os problemas de
natureza técnica se sobrepõem às grandes questões sociais; os conglomerados
monopolizam as informações. Os partidos de massas, que nasceram sob o signo das
lutas operárias, mudam suas bandeiras, integrando-se à expansão econômica. Os
aderentes se desmotivaram, deixando declinar interesse pela vida partidária.
Otto Kirchheimer, constitucionalista alemão, chegou a cunhar um termo para
designar os protagonistas nesses tempos de luta do poder pelo poder:
“catch-all parties” (partidos que “agarram tudo o que
podem”). O voto passa a ser de permuta e o apoio político se dá em troca de
favores.
Mudanças na geopolítica internacional redesenham a
configuração do Estado. Quando o Estado acaba sob o controle de mecanismos
internacionais, o cidadão acaba vendo estreitados seus direitos. Já o mercado
ganha força como mecanismo auto-regulador da vida econômica e social. Sob essa
nova ordem, as pessoas se voltam para o consumismo e a priorizar as questões
materiais.
Os
efeitos chegam ao campo da micropolítica. As comunidades procuram satisfazer
suas demandas imediatas: a iluminação do bairro, a escola próxima à casa, o
alimento barato.
Na
esteira dessas exigências, os cidadãos adquirem maior racionalidade, adotando
novos comportamentos. Sabem o que querem e como definir os meios para atingir as
metas. Núcleos se formam no entorno de entidades e estas passam a intermediar
interesses. Organizações não governamentais em todas as esferas se multiplicam,
fazendo pressão sobre os Poderes constituídos e buscando respostas para as
demandas mais prementes. Por isso, a teia associativa tem uma atuação de cunho
político: mobiliza a população, faz ecoar sua expressão nos vãos da política,
articula na escolha de candidatos que serão seus representantes nas casas
congressuais.
É
assim que os movimentos contribuem para reavivar as identidades nacionais, as
forças das regiões, como parece ocorrer nos Estados Unidos e, agora, no Reino
Unido, que sinaliza a saída da União Europeia.
Atuando nas frentes da competição política, alguns até
tentando reavivar o espírito ideológico. Mas o que sobressai é seu modus
operandi. A personalização do poder emerge com força, alavancada pelos
instrumentos do Estado-Espetáculo.
Novos
condimentos, novos valores, novas inspirações constituem o menu que agrada aos
grupamentos sociais. Cada vez mais distante da tradicional classe política, os
cidadãos repelem os padrões da velha política, o fisiologismo, o caciquismo, o
grupismo. Acolhem de maneira generosa aqueles que expressam foco em resultados.
Querem mais ação e menos discurso.
Com um acento mais grave ali, outro mais suave aqui, esta a leitura que se pode
aplicar à nossa paisagem político-institucional.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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