UMA TARDE NA CÂMARA





GAUDÊNCIO TORQUATO
 
 
Uma tarde na Câmara dos Deputados é um exercício de imersão na real politik. O mestre que conduz o espetáculo é o comandante do processo legislativo, o presidente da Câmara. Com firmeza, Rodrigo Maia abriu, na quarta-feira, 15, a sessão dedicada ao projeto 4302, que foi encaminhado à Câmara em 1988 pelo então ministro do Trabalho do governo Fernando Henrique, Paulo de Tarso Almeida Paiva. Trata da Terceirização de Serviços e da extensão do tempo de Trabalho Temporário.
Vai ou não vai? A pergunta atravessou quase duas décadas. Maia tirou da gaveta o projeto, que foi aprovado na Câmara, depois no Senado, onde ganhou emendas, e voltou à casa de origem. Tomou a decisão balizado por circunstâncias: economia saindo da maior recessão da história, 13 milhões de desempregados, sistemas produtivos clamando por reformas, governo Temer dispondo-se a realizar o maior programa reformista da contemporaneidade.
Tem início um arrastado desfile de verbos e adjetivos, amarrados uns nos outros, ora por um dicionário de chavões, ora por uma expressão mais moderna para traduzir o significado da Terceirização: vitalizar o mercado de trabalho, conferir segurança jurídica a 15 milhões de terceirizados, atenuar a litigiosidade encampada pela Justiça do Trabalho.
Observação geral: por que só discursam oposicionistas? Onde estão os governistas? Ufa, apareceu um, o contundente deputado do PMDB gaúcho, Darcísio Perondi: “temos de trazer o Brasil para a modernidade do século XXI; abrir oportunidade para os milhões de desempregados; não podemos aceitar as mentiras da oposição”. Rogério Marinho, do PSDB/RN, toma a palavra para fazer peroração densa, pinçando a revolução industrial, argumentando com números, defendendo novas modalidades de trabalho.
O major Olimpio, do Solidariedade (SP), vaticinava com certa vibração: “não vai ter quórum”. Paulinho da Força, o maioral do Solidariedade é contra o projeto. Mas o relator é Laércio Oliveira, do mesmo partido. Heráclito Fortes, do PSB/PI, proclama: “vai ter quórum; vamos votar lá pelas 21 horas”. De repente, Rodrigo Maia deixa a cadeira presidencial. Orlando Silva, do PC do B-SP, debocha: “Rodrigo foi ao palácio reunir-se com o governo. Foi buscar o novo texto do projeto. O relator Laércio acaba de tomar uma punhalada pelas costas”. A voz dos mais velhos fala alto: Rodrigo foi à posse de Alexandre Moraes, no STF. Pelas 18 horas, o quórum chega. Maia retoma o assento.
Depois das obstruções, o placar salta para 400. Teria havido mobilização do governo? Um parlamentar exibe na tela do seu IPhone a mensagem: bancada do PTB orientada para não comparecer a Plenário. Cada sigla exibe sua ética. A versão corre ligeira: o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, teria articulado para votar o PL 4302 só em abril. Ele foi indicado para o cargo pelo PTB. Resumo: dos 18 deputados petebistas, apareceram 10, 6 votando contra o projeto.
Laércio Oliveira começa a ler seu relatório. Fez pergunta que calou fundo: “apontem no projeto um único direito perdido pelo trabalhador”. Não foi contraditado. Mas o palavrório sobre a ruindade continuou.
Mas, ali pertinho, no quarto andar do Palácio do Planalto, o ministro da Secretaria do Governo, Antônio Imbassahy, que faz a articulação com o Congresso, acompanhava atentamente. Desse jeito, o projeto ganhou 231 votos a favor, 188 contrários e 8 abstenções. Permite a terceirização de atividades-fim e de atividades-meio, a extensão de 3 para 6 meses no trabalho temporário; e exige a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, entre outros dispositivos.
À guisa de conclusão: pequena oposição organizada e com foco faz mais barulho do que imensa base governista desorganizada. Outros projetos de impacto só passarão com forte mobilização. E se a economia der sinais de vigor.
 

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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