Liberdade falsa

Reginaldo Villazón

A entrada no terceiro milênio – em 01 de janeiro de 2001 – aconteceu sob grandes expectativas. Havia a esperança de – chegada a nova era – as guerras, os confrontos ideológicos, as ditaduras, as crises econômicas e os conflitos sociais terem de ficar para trás. Hoje, passados 16 anos, não há sinais de bonança. As desigualdades e disputas continuam nos Estados Unidos, na Palestina, na Europa, no Oriente Médio e outras partes do mundo, por motivos étnicos, culturais, políticos, religiosos, econômicos e outros.

A sufocação dos valores humanos, a degradação das riquezas naturais e a devastação ambiental indicam que a vida no planeta pode ficar insustentável. Para complicar, as instituições políticas, econômicas e financeiras – e suas lideranças – se revelam incapazes de oferecer respostas eficazes a tais desafios. Mas nada disso ocorre por acaso. Percebem-se sinais de que mudanças estruturais se tornam urgentes e tendem a se realizar ainda neste século para dar espaço a transformações necessárias.

Estudiosos da história contemporânea assinalam que muitos modelos políticos e econômicos foram ultrapassados e eliminados no Século 20, como o colonialismo, o nazismo, o fascismo, o comunismo, o socialismo. A democracia triunfou como regime político e o capitalismo triunfou como sistema econômico, ambos baseados em liberdade. Parecia mesmo que o terceiro milênio seria como um oceano de águas tranqüilas, favorável à navegação de um grande navio com a humanidade feliz a bordo.

No entanto, os estudiosos observam que a democracia e o capitalismo não se convergem, não se harmonizam. Ao contrário, eles se bifurcam, se afastam e isto pode ser uma ameaça à civilização. De forma simples, a democracia estimula a participação dos cidadãos na vida nacional em condições de igualdade. O capitalismo induz os cidadãos à competição no mercado, à disputa pela posse privada de bens escassos. Ou seja, a democracia promove a igualdade, o capitalismo promove a desigualdade.

Quando um povo sai às ruas em passeata, movido por valores democráticos, reivindica o acesso de todos a bons serviços públicos – transporte, educação, saúde, lazer – e igualdade de oportunidades para trabalhar e empreender. Esta vontade popular é coerente com a democracia. Por outro lado, o capitalismo impõe a divisão do povo em classes econômicas – financistas, patrões, empregados, autônomos – com níveis de renda muito desiguais. É fácil entender o poder explosivo dessas divergências numa nação.

A ameaça real é a crescente desumanização gerada pelo capitalismo sustentado por dogmas (engodos), como livre iniciativa, competição livre, mercado livre. As verdades, razões e vontades dos cidadãos devem ser validadas pelo mercado. O cidadão livre é transformado em consumidor cativo. A política é subjugada pelo capital. A democracia vira luta de rua contra a exclusão, em favor da sobrevivência num mundo egoísta, desigual e competitivo. A humanidade terá que fazer acontecer a nova era de prosperidade.

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