MOMENTOS DE GRANDEZA

GAUDÊNCIO TORQUATO
 

A política é, por excelência, o terreno de disputa, guerra, luta pelo poder. Adicionem-se superlativos a essas definições quando a arena dos litígios é banhada pelo sangue de conflitos originados no embate entre duas posições, sendo o vitorioso questionado a respeito do triunfo obtido com o apoio de imensa parcela da população do território devastado por uma das mais profundas crises de sua história.
Estamos tratando, sim, da imagem do Brasil. O país começa a convalescer dos episódios que culminaram com o afastamento da presidente Dilma Rousseff e a substituição pelo vice Michel Temer. A animosidade continua, mas diminuindo na esteira dos dados que mostram a gradual e lenta recuperação da confiança dos setores produtivos.
Nessa última quinta-feira, observamos o desenrolar de conversas cordiais entre o maior ícone das oposições no Brasil, Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual presidente Temer. Diante do abalado líder que acabara de perder sua companheira por quatro décadas, Marisa Letícia, os próceres do PSDB e do PMDB foram expressar a ele seus sentimentos e sua solidariedade. Desfazia-se ali, naquele triste ambiente do hospital sírio-libanês, o muro que teima separar o Brasil em duas bandas.
         Ao registrar o ato de humanidade que unia os contrários por meio do cordão da solidariedade, Lula se dispôs a expressar sua visão de país, confessando imensa preocupação com a fraqueza das instituições nacionais.
Foi uma dura observação, compreensível ante o crucial momento vivido por atores políticos de todos os espectros, ele mesmo incluído. Estaria havendo mesmo um processo de acovardamento por parte de uma ou outra instituição? O que move o Supremo Tribunal Federal? O que está por trás das ações do MP? As instituições deixaram de cumprir seu papel? O Legislativo não estaria se deixando levar pelo Judiciário? Tais perguntas ficaram na cabeça dos ouvintes. O momento é grave. E carece de uma interlocução estreita entre os principais atores do palco político.
A interrogação que toma corpo é: seria inviável o convívio democrático entre as forças motrizes de nosso quadro partidário? Em um momento particularmente tormentoso como o que estamos atravessando, não seria aconselhável a tentativa de um debate suprapartidário, inspirado no ideal do bem-comum e voltado para a integração de propósitos? Ou uma relação menos conflituosa só será possível em instantes dramáticos e sofridos na vida das estrelas de nossa constelação política?
A polidez é uma virtude inerente aos homens bem educados. É o valor que se contraria à grosseria, ao lema hobbesiano “o homem é o lobo do homem”. As boas maneiras também devem integrar o dicionário da política. Afinal, trata-se de uma ética de comportamento, um código de bem conduta da vida social, a endossar a retidão de caráter. Trata-se de uma espécie de partilha, de congraçamento, de generosidade de uns para com outros. Não deixa também de ser um valor que se aproxima da humildade, a virtude do homem que sabe não ser Deus, para empregar as palavras de André Comte-Sponville. Lembra, ainda, a simplicidade, o despojamento, a sinceridade, a caridade. É ilusório pensar na polidez como um costume da política?
Infelizmente, estamos ainda padecendo os efeitos da incontida raiva produzida pelos laboratórios da militância partidária. A divisão do Brasil em duas bandas – nós e eles – deu origem à animosidade que continua a se fazer presente. Urge encerrar o ciclo da cólera partidária.
Que os raros instantes de solidariedade suprapartidária provocados pela comoção no adeus à companheira do nosso último líder carismático sirvam para resgatar o sentimento de Pátria unida, Pátria convivial, Pátria dos anelos coletivos, comunhão de todas as nossas esperanças.
 

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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