A LONGA CAMINHADA


 
GAUDÊNCIO TORQUATO
 

 O brasileiro cultiva em seu imaginário coletivo a ideia de que o presidente da República é o verdadeiro representante do povo, sendo o depositário de todas as esperanças, o que deixa outras peças da engrenagem política em segundo plano. O mito do Salvador da Pátria é forte. Quando o governante tem índole popularesca, esse sentimento chega ao pico. Lula é exemplo. Não é a toa que pontua alto em pesquisas de opinião. Luiz Inácio continua a não perder a oportunidade de fazer chiste, vestir o manto da luta de classes, atirando verbos e adjetivos contra adversários. A militância petista fica extasiada.

Lutou para inculcar nos brasileiros o sentimento de que o País, pela primeira vez, teve um presi­dente que saiu do meio dos pobres. Alargando veredas dos movimentos organizados, inaugurou o ciclo de participação social no processo político. A inclusão social foi elevada à condição de bandeira principal do lulodilmismo. Mas o ciclo petista acabou arrombando os cofres públicos. Acolheu vasta teia de corrupção, a partir do mensalão, seguido pelos eventos que devastaram os dutos da Petrobras.

A Operação Lava Jato passou a ser a marca de uma era. Responsabilidade, transparência, ética, mérito, seriedade no trato da coisa pública são valores jogados no lixo. Um novo governante assume o comando da Nação sob um conjunto de compromissos: conter gastos, rediscutir o pacto federativo, viabilizar um novo sistema previdenciário, modernizar a legislação trabalhista, implantar novos padrões na política. Longe do figurino de Salvador da Pátria, decide encampar as reformas necessárias ao desenvolvimento do país.

No terreno da economia, novas palavras de ordem: recuperar a força da produção, resgatar a confiança de investidores, abrir diálogo com empreendedores. Ancorado em forte apoio das bases congressuais, tenta implementar vigoroso processo de reestruturação das contas públicas. Ao longo de décadas, o país tem sido governado ao sabor de programas que são abandonados. Foi assim com o Programa Fome Zero. Tem sido assim com o tal Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que na era Lula foi apresentado como o maior pacote de obras a se realizar, embalado pela fabulosa soma de mais de R$ 500 bilhões.

A falta de continuidade administrativa expande o Custo Brasil. O que os governantes fazem em seus períodos no comando dos entes federativos (União, Estados e Municípios) é desmontado pelos sucessores. Assistimos na última década uma luta com foco na divisão do país em dois blocos: nós e eles; petistas, os mocinhos, e eles, os bandidos.

De um lado, o governo petista pode até registrar o mérito de ter realizado o maior programa de redistribuição de renda da contemporaneidade, com inserção de 30 milhões de brasileiros no patamar das classes médias. Mas destruiu o que fez. O governo Dilma enterrou a conquista.

O individualismo das gestões; a polarização do discurso político, com incentivo ao apartheid social; o descompromisso com projetos de longo prazo; a falta de reformas fundamentais acabam imprimindo à administração uma feição frankesteiniana. O acervo de emendas constitucionais tem quase o mesmo número de páginas que o exemplar nascido em 88. Um sindicalismo de caráter oportunista monta acampamentos permanentes na Esplanada dos Ministérios. Sua meta: continuar mamando nas tetas do Estado. A máquina estatal foi completamente partidarizada na era petista quando os cargos se tornaram feudos de partidos.


Por isso, toma corpo a ideia de que este é o momento da grande arrumação. Como começar? Pela redefinição e/ou redistribuição de competências e recursos entre os entes federativos, União, Estados e Municípios. O populismo precisa ser banido de maneira definitiva do mapa nacional. Pacificar o país, resgatar a força da economia, encher os pulmões da sociedade com a seiva da auto-estima – são algumas veredas da longa caminhada. 
 


Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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