O PLEITO E OS PRIMEIROS SINAIS DO FUTURO

 
GAUDÊNCIO TORQUATO
 
O PSDB aparece como o grande vencedor do pleito que se encerra. Deverá eleger mais de 800 prefeitos, 15% a mais do que obteve em 2012. A vantagem dos tucanos se dá principalmente na esfera das 92 maiores cidades brasileiras, onde já elegeu 15 prefeitos no primeiro turno, disputando hoje em outros 19 municípios. Sua vitória permite divisar horizontes. O primeiro diz respeito ao campo doutrinário. A social-democracia, de  matiz brasileira, sai fortalecida. Isso quer significar a fixação de pinos no espaço central do arco ideológico, com tendência de ocupação mais forte no campo de centro-esquerda. Esse empurrão mostra um eleitor contrário aos radicalismos e extremos ideológicos.
O tucanato se alinha ao governo Temer, endossando sua política de racionalização do Estado com a consequente desestatização de áreas, e adoção de programas de cunho social, entre eles o da Bolsa Família, gerado no ciclo petista, importante instrumento de distribuição de renda. A vitória do PSDB também representa um veto do eleitor ao PT e suas lideranças, a partir de Lula e Dilma, aos quais se atribuem a derrocada da economia e a maior recessão de nossa história. Portanto, o maior derrotado é o PT, que leva a fama de ter coordenado monumental esquema de corrupção, objeto de investigação da Operação Lava Jato. O último bastião petista, João Paulo, ex-prefeito do Recife, tende a ser derrubado, hoje, pelo atual alcaide, Geraldo Júlio, do PSB.
Os tucanos ganham cacife para entrar fortes no tabuleiro de 2018. Três deles se apresentam como protagonistas centrais: Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra. Alckmin certamente assume posição de maior relevo em função da extraordinária vitória de João Doria no primeiro turno em São Paulo, metrópole de maior densidade eleitoral do país. Já a vitória ou derrota do tucano João Leite, em Belo Horizonte, medirá a temperatura de Neves. Caso vença, melhora sua posição no ranking. A recíproca é verdadeira. José Serra, atual chanceler, acompanhará atentamente o desenrolar do ativismo tucano nos próximos tempos para tomar, mais adiante, a decisão: se quiser ser candidato à presidente em 2018, poderá sê-lo em outra agremiação.
CAPILARIDADE DO PMDB
O pleito mostra, ainda, que o PMDB continuará a dar as cartas no jogo, eis que, mesmo não obtendo a maior votação, contará com o maior número de prefeitos: elegeu 1029 no primeiro turno, vencendo em 5 das 92 maiores cidades e disputando, hoje, em mais 15. Trata-se da entidade com maior capilaridade no território. Além de médios, abarca considerável quantidade de pequenos municípios. O PMDB simboliza o equilíbrio da balança do poder, fazendo alianças à esquerda ou à direita, detendo, assim, imensa capacidade de ser o maestro da orquestra. Sua força poderá ainda ser avaliada pelo maior número de vereadores eleitos, ao qual se somam as maiores bancadas de deputado estadual, federal e de senadores.
Partidos médios e pequenos avançam nas cidades, sendo mais competitivos que na eleição de 2012. Chamam a atenção candidatos dessas siglas disputando o segundo turno em Belo Horizonte (Alexandre Kalil-PHS), Aracaju (Edvaldo Nogueira-PC do B), Belém do Pará (Edmilson Rodrigues- PSOL), Macapá (Clécio Luís-Rede), Vitória( Luciano Rezende-PPS) e no Rio, onde o PSOL tem o perfil para conquistar o maior número de votos, Marcelo Freixo. Os partidos médios, em sua maioria (exceção do PDT, parte do PSB), tendem a se incorporar ao amplo grupamento que ancora o governo, reforçando a tese de que os horizontes do amanhã ganharão uma tintura acentuadamente situacionista.
A FORÇA DO SITUACIONISMO
Analisemos a hipótese. Sobre o território municipalista que hoje estabelece nova base serão edificados os pilares das campanhas estaduais e federal de 2018. A radiografia política que começa a ser vista exibe um corpo intensamente situacionista, formado por um aglomerado de partidos inseridos na base do governo. Os traços oposicionistas, fragmentados e dispersos, sugerem que as forças por eles representadas terão chances reduzidas de marcar forte presença na paisagem eleitoral de 2018. O PT foi praticamente triturado do mapa político, transferindo ao pequeno PSOL a herança de oposição ideológica no espectro partidário. O PT não estará morto e Lula continuará muito vivo para tentar resgatar a história de conquistas do partido. Mas em dois anos essa perspectiva é remota.
O calibre da força e da fraqueza da situação e da oposição será dado pela economia. Arrumada, organizada, trará confiança ao mercado, recuperará investimentos e diminuirá o tamanho da massa desempregada. Sob essa hipótese, é provável que o aumento do Produto Nacional Bruto da Felicidade e da Harmonia produza intensa adesão à gestão governamental. Os atores políticos agirão sob o pragmatismo. Governo aprovado puxará seguramente seu apoio. Nesse caso, também a recíproca é verdadeira. Se o país permanecer no fosso da recessão e do desemprego, os blocos oposicionistas ganharão volume. Nessa onda, PT, PSOL e PC do B teriam chances de apostar em urnas gordas. Dessa forma, fatores exógenos – recuperação da economia, diminuição do desemprego – determinarão os rumos partidários.
Se a conjuntura econômica, portanto, se apresentar favorável, é viável apostar na hipótese de que candidatos mais competitivos em 2018 serão aqueles que colaboraram para a melhoria de vida da população. PSDB, PMDB, PSD, PSB ou DEM, por exemplo, serão motivados a lançar candidatos. Nesse caso, dois, três ou mesmo quatro competidores deverão surgir, representando sentimentos e posicionamentos de um gigantesco centro social: um mais centro-direita, outro mais centro-esquerda e até outro que encarne o papel de antipolítico, nos moldes de Doria, em São Paulo, ou Kalil, em BH. Haverá tempo para uma acomodação das “placas tectônicas” da política até as margens de 2018. O ano de 2017 será acompanhado com muita atenção, deixando espaço para trocas partidárias, reposicionamentos de lideranças, formação de parcerias. A tendência de agregação de siglas será forte caso o governo Michel Temer adquira musculatura e aprovação social.       
 

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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