GAUDÊNCIO
TORQUATO
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Os estilos da
galinha e da pata servem para comparar protagonistas da política. A primeira põe
um ovo pequenino, mas cacareja e todo mundo vê, enquanto a segunda põe um ovo
maior e ninguém nota. O ovo da pata, segundo os nutricionistas, é mais completo
que o da galinha, mas é este que gera atenção, intenção, desejo e ação – a
fórmula AIDA – para estimular seu consumo. E o êxito se deve porque a fêmea do
galo sabe alardear seu produto, cumprindo rigorosamente o preceito maquiavélico:
“o vulgo só julga aquilo que vê.”
Para compreender como o
cacarejo adquiriu importância central em tempos de campanha eleitoral, é
oportuno lembrar as tintas que desenham nossa identidade. Os estudiosos do
ethos nacional costumam apontar, entre os valores que o plasmam, a
falta de precisão, a adjetivação excessiva, o individualismo, a propensão ao
exagero. Somos um povo de linguagem destemperada e de pensar fluido,
indeterminado, misterioso. Por isso o Brasil passeia na gangorra, ora sendo o
“melhor dos melhores”, ora figurando no pior dos mundos. Ainda como pano de
fundo para a verborragia, o País manteve, apesar da dimensão continental, a
unidade linguística, o que facilita a capilarização de ideias e robustece a
matriz do pensamento. Sob essa configuração, tem sido fácil aos nossos
governantes pôr um aditivo no verbo e exagerar o tamanho de seus esforços. Por
isso, em relação aos feitos administrativos, a verdade acaba bem antes do final
dos relatos.
O CACAREJO DA GLÓRIA
Antes mesmo de divisarmos as
primeiras pontes que nos conduziram ao Estado-Midiático da era moderna, nossos
mandatários, com muito cacarejo, acrescentavam palmos de altura ao seu tamanho,
elevando as benesses dos governos e a grandeza das Nações. Basta olhar para os
contornos do Estado Novo, emoldurados pelas cores do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) getulista. Mergulhamos nas águas do Brasil potência, sob a
onisciente comunicação do ciclo militar. Resgatamos os albores democráticos, a
partir de 1986, com o governo Sarney, ouvindo mais uma vez cacarejos que
vendiam as glórias de planos econômicos.
Foi um marco: toda a Imprensa
aclamava aquilo que deveria ser o fim definitivo do flagelo da inflação, o Plano
Cruzado. As donas de casa se autoproclamavam fiscais do Sarney e corriam aos
supermercados para vigiar os preços congelados. Os empresários se viram
acuados.
Mas economistas sérios e
apartidários alertavam para aquele voo de galinha, pois congelamento de preço de
bens, serviços e taxa de câmbio nunca foi remédio eficaz contra a inflação.
Resumo da ópera: passada a
eleição daquele ano, com preços congelados, a coligação governista PMDB-PFL
conseguiu 77% das cadeiras do Congresso Nacional. Em seguida a inflação rompeu
os diques da represa e explodiu. Foi um dos maiores estelionatos eleitorais da
história e o povo pagou caro, com inflação de mais de 50% ao mês.
Falácias assim acabaram
frustrando a população. Perplexos, assistimos depois ao marketing exacerbado do
furacão Collor – vendido como “Caçador de Marajás”. O confisco da poupança ficou
escondida do cacarejo. Os brasileiros tomaram um susto. Entramos depois na era
palanqueira de Luiz Inácio, que durou dois mandatos. O gogó deu o tom geral até
desembocarmos nos tempos de atropelo linguístico da presidente Dilma. Que foi
apresentada à população como gerente de alta qualidade. A expressão, em todo o
ciclo petista, dividiu o país ao meio: nós e eles. Esse foi o bordão repetido à
exaustão.
UM
CALVÁRIO DE AMARGURAS
O
cacarejo atingiu o clímax. O Brasil foi elevado à máxima potência em matéria de
igualdade social, assistencialismo, redenção dos marginalizados, progresso
material, enfim, o país nunca foi tão feliz. Mas quando o discurso ultrapassa os
limites do bom senso, vira um bumerangue. Onde está a grandeza do ciclo petista?
Os 30 milhões que teriam ascendido ao meio da pirâmide estão descendo para a
base. O rombo de 170 bilhões nas contas públicas mostra a desorganização do
sistema petista de governar. Os 12 milhões de desempregados vivem um calvário de
amarguras. A inflação alta consome os parcos recursos das margens carentes.
Felizmente, o modelo petista de governar chega ao fim. A era Michel Temer se
inicia. Um novo modelo de governar se abre. Temer quer inaugurar o
presidencialismo mitigado, um governo compartilhado com o Congresso Nacional.
Vamos aguardar. A título de
curiosidade, lembremo-nos de Temístocles, o altivo ateniense, não era de
cacarejar. Convidado para tocar cítara numa festa, o general declinou: “Não sei
música, o que sei é fazer de uma pequena vila uma grande cidade.” Regra geral,
nossos governantes das três esferas federativas, afinando o tom com o maior dos
tocadores, não hesitam em aceitar convites para manejar cítara, clarineta ou
trombone. Abandonam o foco. Grande parte prefere trombetear no marketing que
fazer de suas cidades e Estados territórios desenvolvidos e civilizados. O
momento de cantar loas a si mesmo é este dos tempos eleitorais. Promessas
mirabolantes são trombeteadas na mídia eleitoral. Exageros se multiplicam.
Municípios passam a ter todos os seus problemas equacionados: educação de alta
qualidade, transportes coletivos modernos, rápidos e confortáveis, sistemas de
saúde salvadores.
Muitos se banham na fonte
das grandes ideias. Esquecem-se do ensinamento de Gogol: “Não é por culpa do
espelho que as pessoas têm uma cara errada.” É a ruína que o modelo pirotécnico
de prometer coisas oferece ao Brasil.
Não se
questiona a necessidade de candidatos e governantes comunicarem aos seus
públicos ações e diretrizes de seus governos. Mas é seu dever comprovar a
viabilidade de suas promessas, o que exige comunicação séria, livre de firulas.
A mensagem deve ser apropriada. O que é mensagem apropriada? Na seara dos
candidatos, é o acerto de boas propostas. O que é desapropriado? O uso da
mentira, das versões fantasiosas, dos verbos populistas, enfim, da expressão
superlativa: somos os maiores, os melhores, os mais qualificados, os mais
adequados ao município. O Brasil carece enterrar a venda de ilusões, as
mentiras, o engodo.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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