GAUDÊNCIO
TORQUATO
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O
grau civilizacional de uma Nação pode ser aferido pela maior ou menor
identificação com o sistema do qual faz parte. Assim, para enxergar o perfil do
Brasil, basta colocá-lo diante do espelho da civilização ocidental que o
reflete. Tomemos emprestadas as duas imagens do Ocidente que o professor Samuel
P. Huntington utiliza em seus ensaios. Na primeira, as nações ocidentais dominam
o sistema financeiro internacional, manobram moedas fortes, fornecem a maioria
dos bens acabados, controlam o ensino de ponta, realizam as grandes pesquisas
científicas, dominam o acesso ao espaço, as comunicações internacionais, a
indústria aeroespacial e as rotas marítimas, enfim, compõem a maior clientela
do mundo. Na segunda imagem, distingue-se um conjunto de Nações em crise, com
parcela de seu poder político, econômico e militar em declínio. Nesse cenário,
apontam-se lento crescimento econômico, alto desemprego, enorme déficit público,
baixas taxas de poupança, criminalidade e imensa desigualdade social. Com qual
dessas imagens a Nação brasileira mais se parece?
Para ajudar o leitor a tirar conclusões, vale lembrar
que o País, depois de décadas de inflação alta, conseguiu, na era FHC, forjar
uma moeda estável. Chegou a apresentar grandes superávits na balança comercial.
No ciclo Lula, chegou a desenvolver uma forte política de inserção social,
responsável pela ascensão de 30 milhões de brasileiros da classe D para a classe
C. Hoje, está diante do maior processo de corrupção da história contemporânea,
que se apura na Operação Lava Jato. Exibe uma gigantesca corrente de 12 milhões
de desempregados. Mas ainda é competitivo e avançado na área do agronegócio. Em
tempos idos, chegou a liquidar a dívida com o FMI, mas desleixou sobre o buraco
da dívida pública federal, que sinaliza se aproximar dos R$
3,3 trilhões neste ano de 2016. Tem
imensos potenciais naturais, riquezas incomensuráveis, mas continua a mostrar um
dos piores coeficientes GINI, que medem a distribuição de renda entre
indivíduos.
AS DUAS BANDAS DO PAÍS
Por ano, morrem cerca de 50 mil
vítimas da violência por armas. Como arremate, estamos na vanguarda do ranking
de taxas de juros e da carga tributária, essa atingindo 37% do PIB. Mas temos
serviços de má qualidade, principalmente na área da saúde. Essa moldura dividida
em duas grandes bandas mostra um Brasil caótico e um Brasil exuberante. É como
se o país passasse a representar as duas faces do Ocidente. O que chama a atenção, porém, é o contraste entre os
aspectos positivos e negativos do País, usados ora para situá-lo ainda na esfera
do Terceiro Mundo ora para inseri-lo no universo restrito das Nações emergentes,
particularmente junto ao conjunto chamado de BRICs – Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul.
A dimensão continental do território; os vastos
recursos naturais, a partir da maior reserva de água doce do mundo e de
extraordinárias reservas minerais; os potenciais em setores específicos, que
incluem a camada de pré-sal; as belezas naturais, que projetam um promissor
cenário turístico, particularmente quando se levam em conta os conflitos
étnicos e de cunho religioso, o terrorismo e as disputas por espaço; uma
infraestrutura técnica que pode ser melhorada para alavancar os setores
produtivos; quadros profissionais gabaritados e escolas de qualidade (ainda
poucas), enfim, um espaço tropical que, até o presente, não tem sido devastado
por grandes catástrofes naturais – terremotos, maremotos – são alguns dos eixos
que sustentam a confiança no futuro brasileiro.
Se a base territorial (e de porte continental) é
sólida, por que o edifício balança com os ventos que sopram ocasionalmente nos
ciclos de crise? Porque a estrutura institucional não é suficientemente forte.
Os Poderes vivem constante tensão. Os partidos políticos são entes amorfos e
pasteurizados. A corrupção campeia nos três entes federativos (União, Estados e
Municípios). São apenas alguns exemplos. Somos uma expressão geográfica de peso,
mas estamos ainda longe de constituirmos uma Pátria, assim entendida como
sincronismo de espíritos e de corações, solidariedade sentimental de raças,
comunhão de esperanças, sonhos comuns, decisão coletiva para marchar
juntos.
DESAFIO: IMAGEM IGUAL À
IDENTIDADE
As disputas por espaço se multiplicam, seja por
espaço físico (veja-se o Movimento Sem Terra), pelo poder político, por mando na
administração pública. A meritocracia cede lugar ao QI (quem indicou). O
ambiente ainda é muito selvagem. Os donos do poder usam as instituições para
reforçar seu sistema de forças. As leis ficam sob o abrigo das circunstâncias.
(A decisão do ministro Lewandovski de fatiar o impeachment de Dilma Rousseff,
tirando seu mandato, mas conservando seus direitos políticos, não foi uma
ruptura à letra da CF?) Casuísmos multiplicados solapam as instituições. Os
governos criam uma sociedade de corte e de castas. (Descobre-se, agora, que a
ex-presidente Dilma dispunha de 34 motoristas e 28 carros à sua disposição no
Alvorada).
O que sobra? José Ingenieros, o
grande escritor argentino, responde: enquanto um País não é Pátria, seus
habitantes não constituem uma Nação. Ou ainda: quando os interesses venais se
sobrepõem ao ideal dos espíritos cultos, que constituem a alma de uma Nação, o
sentimento nacional degenera e a Pátria, explorada como indústria, regressa à
condição de País. Por essa via, podemos aduzir que a imagem do território
brasileiro é excelente, mas a imagem da Pátria exibe vazios que não permitem
posicioná-la numa escala de grandeza. Os desafios para que o País possa alcançar
efetivamente imagem de respeito na moldura ocidental abrigam, portanto, a
consolidação das instituições sociais e políticas, o que, por sua vez, requer o
resgate de valores fundamentais da cidadania, como a educação, a igualdade entre
classes, o acesso e a justiça para todos, o emprego, a harmonia e a paz social,
enfim, a comunhão de esperanças. É coisa para duas ou mais gerações. Até lá, o
País caminhará em curvas, subindo e descendo, ora exibindo suas fabulosas
riquezas, ora desfilando suas misérias. Poderia encurtar o trajeto, se seus
homens públicos tiverem vontade política para refundar a República sob o signo
da dignidade. Eis o maior desafio do presidente Michel Temer: fazer com que a
Imagem do Brasil corresponda ao seu porte, à sua grandeza, à sua verdadeira
Identidade.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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