GAUDÊNCIO
TORQUATO
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O governo interino já anunciou a
disposição de promover uma desestatização na gigantesca estrutura do Estado.
Trata-se de encaminhar para a iniciativa privada atividades, operações e
serviços que não constituem obrigação do Estado, como é o caso de portos,
aeroportos, estradas e exploração exclusiva de recursos naturais, entre outros
itens. O monumental acervo de áreas que podem ser transferidas ao campo privado
terão o condão de deixar Estado brasileiro mais leve, menos paquidérmico e mais
apto a desempenhar tarefas, funções e serviços que lhe competem, atendendo a
critérios de rapidez, transparência e qualidade. Assim, todo o esforço
governamental estaria focado na qualificação de serviços do Estado à população,
propiciando o que se pode designar como “democracia da
eficiência”.
É evidente que a nova
feição do Estado não corroerá sua capacidade de intervir no mercado para
corrigir distorções, ajustar programas, enfim, dar o tom geral da economia,
principalmente em momentos de crise. Nos Estados Unidos, a maior economia
liberal do planeta, o Estado pôs seu dedo na vida econômica para administrar a
crise que afetou os negócios durante a débâcle financeira de 2008. O fato é que
o Estado brasileiro tem sido leniente e mesmo fraco para debelar as mazelas
sociais, a partir da insegurança social, da deterioração da saúde pública e das
deficiências na área da mobilidade urbana, para citar apenas alguns setores. E
por conta disso, o governo tem agido no varejo, trabalhando no curto prazo,
destinando verbas aqui e ali para atender demandas mais urgentes. Falta ao país
um planejamento de longo alcance,
Sob a justificativa de
que o Estado precisa agir com mais energia e dureza, o sociólogo e cientista
político francês Alain Touraine defende a tese de um Estado forte. No caso
brasileiro, isso pode ampliar a esfera do autoritarismo, da arbitrariedade, da
ineficiência e do corporativismo. Essa, aliás, foi a visão do petismo, aplicada
nos últimos anos, quando o Estado ganhou uma montanha de gorduras. Para ser
forte, um Estado não precisa ser paquidérmico, locupletado de corporações, como
se viu no ciclo lulodilmista. O que importa é conformar o Estado ao porte
adequado para cumprir a contento suas funções. O que importa é evitar o
aparelhamento da máquina, atenuar (pois eliminar seria difícil) bolsões
corporativistas, conferir maior institucionalização política por meio de reforço
às frentes já formadas, adotar a meritocracia em lugar da velha política de
grupos.
O
fortalecimento do poder de decisão do Estado constitui meta que deve ser
perseguida, até para se combater a cultura de interesses individuais e grupais
que, entre nós, prevalece sobre as políticas sociais. Mas este é um desafio que
ultrapassa décadas, não sendo objeto de consideração de um só governo. O que se
viu, nos últimos anos, foi o uso do orçamento público para atrair o sistema
político. Não foi isso que gerou, por exemplo, o mensalão, quando grupos de
parlamentares e partidos foram cooptados por meio de ajuda
financeira?
Os
nossos governantes têm sido pouco eficazes em matéria de reformas estruturais.
Regra geral, procuram oferecer respostas pontuais aos problemas que surgem sem
contemplar o todo. Receiam atacar todas as demandas ao mesmo tempo, primeiro por
não terem recursos para tanto, segundo por não contarem com suficiente apoio
político-partidário para patrocinar causas como reforma política, reforma
fiscal-tributária ou da previdência.
Portanto, a caminhada do País na
estrada das mudanças é lenta. Os passos no caminho da modernização são
vagarosos. Demos um avançado salto por ocasião da implantação do Real e, de lá
para cá, o edifício da estabilidade tem sido mantido a duras custas. A atual
crise econômica abala alicerces. Por isso mesmo, o desafio que se apresenta ao
Governo Michel Temer é o de andar em ritmo mais apressado. Claro, reformar o
Estado não é tarefa para um só governo, ainda mais quando esse governo disporá
de pouco tempo para consertar os estragos feitos no ciclo petista. Maquiavel já
lembrava que nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de obter êxito ou
mais perigoso de manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador
tem inimigos na velha ordem, que se sentem ameaçados pela perda de privilégios,
e defensores tímidos na nova ordem, temerosos que as coisas não dêem
certo.
A análise sobre o nosso
sistema político e a possibilidade de avanços haverá de contemplar a complexa
dialética das mudanças. Como fazer o Estado adequado no cipoal das pressões
partidárias e corporativas? Como aparar as desigualdades sociais, com programas
liberais, que dão vazão a climas concorrenciais? Como deixar de atender a um
parlamentar dos grotões, que sem atender sua clientela será expurgado da
política? Enfim, como contemplar gregos e troianos? Como governar com um olho
nas demandas sociais e o outro enxergando as pressões do Congresso Nacional?
O conceito de Estado adequado, nem gordo nem magro, nem portentoso nem
esquelético, deve entrar na mesa do debate nacional. Encontrar a dimensão exata
do Estado para que possa cumprir suas tarefas e aperfeiçoar os serviços – eis o
desafio que se apresenta ao novo governo. Por isso mesmo, é absolutamente
imprescindível que se aplique a lição dos bons modelos de gestão pública: não
gastar além do que se arrecada; dimensionar um teto para os gastos nos três
níveis da Federação (União, Estados e Municípios); promover a urgente reforma da
Previdência, sob pena de inviabilizar o sistema e ameaçar o futuro de milhões de
brasileiros; enxugar a máquina, eliminando quadros em excesso e nomeados por
indicações políticas; promover a desestatização de áreas que terão melhores
condições de operar sob a égide da iniciativa privada; e fechar as torneiras de
grupos acostumados a mamar nas tetas do Estado. A vaca (o Estado e suas tetas),
o vampiro (que suga o sangue do Estado nas emboscadas noturnas) e Pinóquio (com
as mentiras de campanha) são os três entes que precisam ser combatidos noite e
dia.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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