Os Cinturões do Governo Temer


 
GAUDÊNCIO TORQUATO
 
O desempenho de uma administração é geralmente avaliado pela somatória de quatro cinturões: o econômico, o político, o social e o de gestão administrativa. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações programáticas. Os campos se imbricam de forma que o sucesso alcançado num afeta positivamente o outro. A recíproca é verdadeira. Tomemos o caso da economia: se gerar resultados de forma a resgatar a confiança dos setores produtivos, a frente política tende a olhar de maneira simpática para a gestão, com a consequente aprovação de projetos do Executivo. A área social, por sua vez, repousará sobre um colchão de harmonia e segurança se o bolso dos consumidores ganhar recursos para enfrentar as demandas cotidianas. Portanto, a economia é a locomotiva que puxa outros vagões do trem.
Sob a viabilidade econômica, a administração terá capacidade de usar o poder como “capacidade de fazer com que as coisas aconteçam”, como ensina Bertrand Russel. Analisemos, então, os cinturões do governo Temer. O cinto econômico (a ideia de cinturão se conecta à possibilidade de aperto ou afrouxamento dos instrumentos usados na economia) está sendo implantado por uma equipe de reconhecida competência, chefiada pelo ministro Henrique Meirelles. Os primeiros trilhos para fazer correr a locomotiva foram bem recebidos pelo mercado, a partir das propostas para limitar as contas públicas, reduzir a máquina administrativa, estabelecer critérios de mérito na ocupação de cargos em empresas públicas e no esforço para renegociar as dívidas dos Estados.
A RIGIDEZ DAS CONTAS
 
         O alinhamento dos trilhos implica rigidez nas contas públicas, razão pela qual o governo concentra esforços para estreitar o déficit fiscal de 2017 para R$ 139 bilhões, inferior aos R$ 170 bilhões previstos para esse ano. De onde o governo vai arrumar recursos para tapar o gigantesco buraco? Promete Meirelles: cortando despesas; promovendo a desestatização de espaços como os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont; repatriando recursos e até, se for caso, aumentando contribuições, como a Cide. O maior gargalo da administração, a Reforma da Previdência, certamente está no foco do novo governo e sua equação passa pelo ajuste (consensuado) entre tempo de aposentadoria (homens e mulheres) e tempo de contribuição. O fato é que o sucesso dessas iniciativas implicará fôlego na frente política e animação no corpo social. E por que, em tempos de contenção, o governo abre o cofre para conceder aumentos ao funcionalismo e ao Judiciário, além de aumentar em 12% o programa Bolsa Família?
         Ora, o governo procura ajustar o cinturão social, na medida em que a injeção de recursos no bolso das margens e da massa funcional garante harmonia e menos tensão, com a contenção de previsíveis greves de servidores. Portanto, a lógica da gestão Temer parece ser esta: um olho nas contas públicas, outro na harmonia social, passando por eventuais agrados para acalmar atores políticos nas duas casas congressuais. Para que o pacote de programas atravesse os corredores das duas Câmaras, faz-se necessária articulação ajustada às demandas parlamentares.
         O perigo reside na perda de noção sobre o que é essencial e o que é perfunctório. Essa ameaça sempre existe, principalmente quando os atores políticos  – partidos, grupos, operadores de estruturas – disputam espaços de poder e expandem a dissonância interna. Quando isso ocorre, a desorganização governamental chega ao auge. Foi, aliás, o que ocorreu nos últimos meses do governo Dilma. Daí a necessidade de o governo Temer encontrar um vértice e uma identidade. Esta parece bem desenhada, como se vê na meta de se equilibrar a economia, com os efeitos que se esperam como a queda no índice de desemprego, a queda da inflação e dos juros e a volta da confiança.
A NOVA MODELAGEM
        Na esfera política, o novo governo tende a buscar mais equilíbrio na articulação com o Congresso. A vitória de Rodrigo Maia cai como uma luva nesse momento. Michel Temer, bom conhecedor dos meandros do Parlamento, quer abrir mais espaço para os partidos, motivando-os a participar da definição das políticas públicas, não somente ocupando cargos na estrutura. Esse é o diferencial de seu presidencialismo. Seu governo quer inaugurar um novo estilo, que já está sendo chamado de semi-parlamentarismo. A modelagem será implantada pouco a pouco. Os quadros partidários deverão assimilar a nova abordagem depois de um tempo de maturação. A se confirmar como efetivo no comando da Nação, com o afastamento definitivo da presidente Dilma,  o presidente Michel Temer ampliará o raio de ação no Congresso, fortalecendo a base governista.
         Na área da gestão, o governo harmoniza a linguagem ministerial por meio de uma agenda de reuniões periódicas entre ministros, quando todos tomam conhecimento do cotidiano de cada Pasta. As interações propiciam unidade de ação, conferindo ajustes intersetores. A intenção manifesta do novo governo é a de livrar o Estado de espaços, posições e funções que não lhe competem, permanecendo nas áreas de sua responsabilidade, como segurança, educação, saúde, habitação etc. Não tem mais sentido nesses tempos de economia globalizada e de mercados competitivos deixar sob a égide do Estado frentes como estradas, aeroportos, portos etc.
           Em suma, a depender do desempenho da economia, veremos os vagões correrem a pleno vapor: o cinturão político, mais flexível e ajustado aos planos governamentais; o balão social com mais gás para enfrentar o dia a dia; e a modelagem administrativa trabalhando de maneira integrada e em condições de gerar eficiência aos serviços do Estado. A condução da locomotiva econômica está sob a competência de quem tem experiência na aparelhagem, de modo a garantir o retorno da confiança nos investimentos. Esta é a luz que começa a acender no fim do túnel.  
 

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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