Direitos

Reginaldo Villazón

Em 16 de novembro de 2005, na cidade de São Paulo (SP), uma empregada doméstica de 18 anos foi detida na tentativa de furto de uma lata de manteiga de 200 gramas, no valor de R$ 3,10. Por ela ter proferido ameaça de morte aos proprietários do mercado – segundo afirmações deles –, seu crime foi considerado pela justiça como roubo, mais grave que furto. A jovem admitiu a tentativa de furto, mas negou a ameaça. Declarou estar sem trabalho e pretender usar a manteiga na alimentação do filho de dois anos.

A transgressão acarretou à acusada mais de 4 meses de prisão num Centro de Detenção Provisória, conhecido como Cadeião. Nesse período, os pedidos do advogado encarregado do caso, para que ela se defendesse do crime em liberdade, foram recusados pela Justiça paulista. Foi preciso invocar o STJ Supremo Tribunal de Justiça, em Brasília DF, onde a soltura foi autorizada. Em 10 de novembro de 2006, um ano após o acontecido, ela foi condenada a quatro anos de reclusão em regime semi-aberto.

O caso teve ampla divulgação e recebeu duras críticas, em especial pela desproporção entre o tratamento judicial dado e a transgressão cometida. Porém, não faltaram defensores aos atos da justiça paulista. Casos parecidos continuaram ocorrendo no país e no mundo. Este ano, numa decisão inesperada, o STJ da Itália cancelou a pena de seis meses de prisão – aplicada em instância inferior a um sem-teto – pelo furto de dois pedaços de queijo e um pacote de salsichas, no valor de 4,07 Euros. Foi considerado "furto famélico".

Sem negligenciar a ordem e a segurança, pessoas de elevado caráter – juristas, pesquisadores, ativistas sociais – estão se movendo e produzindo farto material sobre questões sociais de todas as dimensões, que urgem receber novas abordagens e soluções jurídicas. Casos de reintegração de posse evidenciam as preocupações. O Poder Judiciário ordena a desocupação de uma área urbana cheia de barracos. O Poder Executivo cumpre a ordem, mas com uso de tropa de choque e trator de demolição.

Muitas perguntas desafiam o pensamento se tornam objetos de estudo. Como estas. Existem sociedades isentas de injustiças? É real o princípio de que todos são iguais perante a lei? As leis proporcionam benefícios iguais a ricos e pobres? O subdesenvolvimento, a marginalidade social, a pobreza e a miséria são injustiças? Ter acesso a um nível de vida adequado é um direito dos cidadãos? A aplicação de leis flexíveis e não punitivas abalam as instituições, a ordem e a segurança?

A boa notícia é que o "furto famélico" – furtar comida para sobreviver não é crime – revela apenas uma nesga da revolução que está para acontecer no Direito. Hoje, no reduto de organizações internacionais, universidades e instituições civis, ideias estão tomando formas realizáveis. Não se cogita, por exemplo, erradicar a fome com o uso de leis. A conscientização da sociedade, a educação dos jovens e a regulamentação das leis sob os novos enfoques vão impulsionar ganhos civilizatórios imensos.

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