Quem deve educar

José Renato Nalini


Educação é um projeto complexo que significa explorar as potencialidades do ser educando até atingir a plenitude possível, no pressuposto de que a criatura é um ser com vocação de perfectibilidade.

A quem compete educar? No Estado de direito de índole democrática, assim como o nosso, a educação é um "direito de todos". Mas é um dever compartilhado entre o Estado e a família e "será promovida com a colaboração da sociedade" (artigo 205 da CF). Seus objetivos: o "pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Numa sociedade estável e de predominância rural, o berço foi a melhor escola. Padrões familiares alicerçados em valores como ombridade, probidade, respeito ao próximo, principalmente aos mais velhos, polidez, delicadeza, eram transmitidos em casa. À autoridade materna para o relacionamento com os outros, adicionava-se a experiência paterna para insculpir conceitos como a dignidade do trabalho, a conquista da ascensão profissional mediante o percurso dos degraus do trabalho, do esforço, do empenho e do protagonismo.

O veloz esvaziamento dos campos, a conurbação acelerada e a profunda mutação da sociedade de informação trouxeram legiões para uma periferia que não é apenas metafórica. A revolução feminina priorizou para a mulher a conquista de outros espaços de reconhecimento, em detrimento da missão educadora.

Uma equivocada visão do que deva ser o governo, idealizado como instrumento favorecedor da iniciativa individual e grupal, enfatizou as dificuldades na implementação de um processo educativo consensual.

Anote-se que a sociedade contemporânea se caracteriza por uma única espécie de consenso: a absoluta falta de consenso a respeito de todo e qualquer assunto.

Mas a Constituição é clara e explícita: a educação é dever da família, não apenas do Estado. Até porque, não se confundem educação e ensino. Se a educação é "direito de todos", não há termo final para fazê-la cessar. É um aprendizado vitalício. Aprende-se até o último dia de permanência no planeta. Aprende-se até com a morte, inevitável encontro que está marcado, queiramos ou não.

Ao Estado competiria propiciar ensino público gratuito em estabelecimentos oficiais, garantir a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e assegurar o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, na coexistência pacífica entre instituições públicas e privadas de ensino.

O pressuposto para o ensino público é que a criança chegue à escola provida de sólida educação de berço. O testemunho de muitos professores não avalia essa tese. Grande número dos heroicos mestres que tentam ensinar filhos alheios enquanto os seus, muita vez, também são privados da constante atenção materno/paterna, ao enfrentarem intolerável falta de respeito e sofrerem agressões verbais e mesmo físicas, são acometidos de inúmeras síndromes. É preocupante a dimensão de professores afastados por motivo de ausência de higidez física ou mental para o manejo das classes.

O clamor por qualidade na educação é legítimo, porém precisa ser dosado com a responsabilidade pessoal de cada mãe, pai ou quem esteja no lugar deles, nessa fragmentada e mutante instituição chamada família.

Nada substitui a autoridade e a coerência dos pais na formação do caráter. E construí-lo adequadamente não é função precípua da escola.

O ensino tem de ser propiciado de maneira a seduzir o educando, fazendo com que a frequência e a assiduidade à escola seja motivo de prazer e de alegria. A ciência produziu milhares de propostas pedagógicas e elas devem conviver no pluralismo determinado pelo constituinte. As iniciativas experimentais necessitam de estímulo, notadamente se elas têm o condão de atrair a juventude e torná-la mais interessada do que as aulas expositivas, que já surtiram seus efeitos e hoje não conseguem seduzir a mocidade digital.

As escolas devem ser centros de convergência de todos os interesses da comunidade em que estão situadas. Acolher eventos, sediar festivais, festas, exposições, teatro, cinema, campeonatos de toda espécie. Ponto de encontro que faça parte da vida e da História do bairro e que por seus moradores seja preservada, mantida e defendida.

A vinculação entre o egresso e a escola é fundamental. Assim como o cultivo da história do estabelecimento. O culto ao seu patrono, aos mestres que por ali passaram. A coleta do testemunho de ex-alunos que têm saudades do tempo feliz de permanência e que, vencedores em sua atividade de subsistência, possam mostrar às atuais gerações que o mérito ainda funciona.

Garanto que no grande universo do ensino público no maior Estado da Federação haja escolas-modelo, com diretores paradigmáticos, professores dedicados, associações de pais e mestres atuantes, conselhos eficientes e um satisfatório convívio com a comunidade. Essas boas práticas precisam ser evidenciadas, a fim de que se recupere o orgulho que a escola oficial sempre outorgou aos seus alunos.

Civilizações mais consolidadas também tentam recuperar o interesse da sociedade por suas escolas e por seus alunos, como fez estes dias a Ministra Najat Vallaud-Belkacem, que convocou cinco mil cidadãos voluntários, de todas as idades e das mais variadas profissões, com o objetivo de dar aulas em escolas públicas sobre cidadania e secularismo do Estado.

Tenho a certeza de que, convocados, muitos profissionais bem sucedidos atenderiam a um apelo destes, que não está fora de cogitação. O importante é saber que o Estado é apenas um e não o principal artífice da verdadeira educação, dever que compartilha com a família e que precisa ser exercido com a colaboração da sociedade.

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