HORA DE DAR O TROCO

 
Gaudêncio Torq1uato
      
Pesquisa do Ibope acaba de mostrar a rejeição aos políticos. Lula, badalado e admirado em seus dois mandatos de presidente, acaba de alcançar 55% de rejeição. Mas não só ele, a presidente Dilma ou o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, estão no fundo do poço da imagem. Outros perfis como Serra (54%), Aécio (47%), Ciro Gomes e Alckmin (52%%) e até Marina (50%%) entram na banda escura da imagem. O que significa isso? Ora, rejeição plena aos políticos. Donde se pode concluir que a campanha eleitoral de 2016 será uma das mais duras para os candidatos. Analisemos as causas que alimentam o processo de rejeição aos governantes e representantes no Parlamento.
          O primeiro fator é a falta de compromisso do político para com suas bases. As promessas feitas ficam longe dos feitos. As massas são manipuladas e a mistificação se espraia. Engodos, promessas mirabolantes, escapismo. Essa é a tônica do discurso de campanha. Mas os tempos mudaram. Para começar, a observação: o povo não quer mais ser considerado massa de manobra, como ainda supõe uma categoria de políticos ultrapassados, que pensa em se perpetuar no poder com uma mala de dinheiro na mão, uma promessa na boca e a enganação do aperto de mãos.
          Há, é claro, milhões de deserdados que abrigam sua sobrevivência debaixo do manto cooptador dos feudos eleitorais. A fome destes, porém, nem sempre constitui passaporte para a escalada do clanismo, que reparte, periodicamente, os eleitores em blocos amorfos, como se fossem gado tocado por vaqueiro. A fome também cria revolta. O Bolsa Família já não faz a alegria das margens. Está defasado. Mais de 3 milhões de pessoas que ascenderam à classe C regridem ao patamar da classe D. A autoestima se esfacela. O desespero se alastra em muitas partes do país, principalmente nas regiões do Nordeste, uma terrível seca consome as energias e o bolso da população (gastam-se R$ 200 mensais com caminhões-pipa). O Brasil volta a ser povoado pela miséria e devastação.
          Esta breve reflexão se faz necessária para alertar os gestores públicos e a massa de candidatos que começa a se posicionar no cenário. As pesquisas mostram que o desprezo do povo pelos políticos chegou ao limite máximo. A classe está desprestigiada porque não cumpre os programas, faz os mesmos discursos, não se recicla, não sabe ler as mudanças que ocorrem na sociedade e, sobretudo, porque continua fazendo da política uma escada para fazer negócios e ampliar oportunidades. Há exceções.
          A moldura social nesses tempos de Operação Lava Jato aponta para um cidadão desconfiado, amargurado, arredio, pronto para desferir um palavrão na cara do político. De tanto ser enganado, acostumou-se com rodeios de políticos. Os apertos de mão já não fazem mais efeito, as batidinhas nas costas não mais entusiasmam e promessas entram por um ouvido e saem por outro. O fato é que o Brasil está todo ligado no que apura de escândalos, com a atenção voltada para os dirigentes. A capilaridade social é propiciada pela mídia massiva e redes sociais. Uma denúncia, um escândalo, os casos escabrosos chegam aos confins e batem nos ouvidos e corações periféricos com a força com que chegam aos redutos centrais. Certa homogeneidade sócio-cultural se estabelece para infelicidade de alguns e felicidade geral da maioria.
          Fica-se sabendo que a corrupção está sendo investigada como nunca foi, que casos obscuros explodem quase todos os dias, respingando nos donos da política em seus arredores. Os políticos acabam sendo identificados como integrantes da deterioração que toma conta do país, aqui caracterizada como os jogos de influência, as barganhas, as benesses, a corrupção desenfreada, o nepotismo, o fisiologismo, o grupismo, o empreguismo, enfim, o clima de terra devastada. A massa informativa corre em círculos concêntricos até as margens, conscientizando grupos, categorias e classes. A racionalidade se adensa.
          Sob esse painel, emerge a questão: com que cara um político, candidato ou não, aparecerá, amanhã, em suas bases para pedir o voto? Como os maiores salários vão se apresentar junto aos menores salários do país? Vai ser difícil convencer as galeras que ele, seja quem for, merece o voto. Poucos terão coragem de dizer que fizeram algo, mostrando o que prometeram. Alguns se despedirão da política. Mas muitas caras novas aparecerão na paisagem. Haverá muita surpresa. A população começa a fechar o ciclo da velha política.
          Só não vê quem estiver ofuscado pelos áulicos, pelos anéis edulcorados que cercam governadores à moda antiga, prefeitos ineficientes, deputados alheios ao que se passa nas ruas e nos bairros, vereadores donos de feudos. A autonomia chega às regiões. A sociedade não mais se contenta apenas em consumir bens e serviços - educação, segurança, saúde, transportes, habitação - mas em participar ativamente de sua própria realização. Pode-se designar esse fenômeno de onda autogestionária, que indica o direito dos grupos à autodeterminação. São correntes que fazem a animação cultural e política nas regiões, nas cidades, nos bairros. Querem os grupos desapossar as competências tradicionais, avançar sobre as estruturas de poder, buscar meios próprios de comunicação, abrir novas tubas de ressonância social.
          Cabe, aqui, lembrar que outro forte movimento se desenvolve, em paralelo, descortinando cenários novos. Trata-se do regionalismo. As regiões brasileiras sentem-se mal atendidas e querem participação maior no bolo tributário. Os Estados estão de pires na mão coletando migalhas do Planalto.
          Não se enganem. Os olhos do povo começam a enxergar tudo, até as entranhas das administrações. A energia do cidadão, na campanha de 2016, será capaz de moldar uma nova feição administrativa para os 5.565 municípios brasileiros. A conferir. 
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato
 

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