Nenhuma surpresa

por José Renato Nalini

Não surpreende que a maioria dos consultados conclua que "bandido bom é bandido morto". O crime é a mais profunda vulneração aos valores estabelecidos como de observância obrigatória para um convívio digno. Abomina-se a delinquência, ruptura do mínimo ético, sem o qual o retorno à barbárie é a inevitável consequência.

A multidão é levada pelo senso comum. A mesma multidão que exige penas mais severas, tipificação de outros comportamentos, conversão de crimes comuns em hediondos. A pena de morte venceria o ranking das respostas quanto à solução para o crescimento da criminalidade. Que o diga as pesquisas sobre a redução da maioridade penal.

Tudo típico a uma fase histórica em que os direitos são abundantes e as obrigações deficitárias. A sociedade quer matar o inconveniente, aquele que não observa suas regras. Mas o que faz para provê-lo de discernimento? Quem é que reclama de uma educação chata, desestimulante, que faz o aluno decorar uma porção de conteúdos, aos quais não recorrerá quando adulto?

Quem é que se preocupa com o planejamento familiar, para que a maternidade/paternidade seja efetivamente responsável? Quem é que se propõe a transmitir sua experiência de vida para jovens despossuídos? O que se está a fazer, como sociedade civilizada, para conferir sentido à vida daqueles que não têm horizonte nem perspectiva de sobrevivência compatível com os ideais consumistas que propalamos e pelos quais nos conduzimos?

A busca dos próprios interesses é legítima, porém quando alienada à realidade evidente – o crescimento da miséria, material e moral; o desapego à ética; o abandono da solidariedade – ela se torna até perigosa. Quem está tranquilo hoje de não ingressar, utilizando-se do wase, do GPS e de outras tecnologias ao nosso alcance, numa "zona proibida", numa "comunidade" e vir a ser metralhado? Quem é que não tem medo de andar sozinho à noite pelo centro de São Paulo - o que não se dirá da periferia?

Esse o mundinho em que nos refugiamos. Pensamos estar fazendo a nossa parte se continuamos a trabalhar e a sustentar nossa família. Mas essa legião de abandonados ou de iludidos com as benesses que já não podem ser prodigalizadas, porque a conta chegou e não há como saldá-la?

A opção simplória e reducionista pelo "bandido morto" não exclui a possibilidade de que a morte chegue antes para nós. Pois não estamos sabendo tratar da infância e da juventude conforme os nossos parâmetros "civilizados", "cristãos" e "racionais".

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo
 

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