Remédio amargo, por José Renato Nalini

 
Todo gestor da coisa pública tem a intenção de agradar aos que nele confiaram. Atender às legítimas reivindicações, inovar, concretizar os sonhos e merecer reconhecimento.

Mas em tempos de profunda crise econômico-financeira, percebe-se que entre os anseios e a realidade há um fosso intransponível. É o que se experimenta agora, na gestão do maior Tribunal do Planeta, o gigantesco Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Cresceu talvez excessivamente, mercê da ampliação do acesso à Justiça propiciado pela Constituição Cidadã de 1988 e pela intensificação da cultura demandista. Ninguém consegue solucionar seus próprios problemas, até os mais singelos, senão através da provocação do Poder Judiciário.

Isso ocasionou a avalanche de mais de 25 milhões de processos, confiados a 2.500 magistrados e a 50 mil funcionários. Com a tendência de crescente aumento das ações judiciais, numa litigiosidade epidêmica.

Para satisfazer às reivindicações – justas, por sinal – dos responsáveis pela outorga da prestação jurisdicional, o TJSP precisaria nomear em 2015 cerca de 3 mil novos escreventes. É mera reposição dos vazios deixados pela natural defecção do quadro de pessoal: aposentadorias, mortes, exonerações. Mas o orçamento deficitário não permitirá prover tais vagas. Tive de sobrestar a nomeação do total necessário e restringi-la a 380 nomeações de escreventes técnicos judiciários. Quase 90% das necessidades deixarão de ser atendidas.

O quadro da Magistratura dispõe de 818 cargos vagos. O 185º Concurso inicia neste mês de julho os exames orais e a nomeação dos aprovados só se fará a partir de novembro de 2015. À evidência, não se proverá a totalidade dos cargos, mesmo porque, o número dos candidatos que passaram a essa fase do certame é muito menor.

Não se conseguirá pagar aos agentes, cujos cargos foram transformados em escreventes técnicosa diferença cabível. Reconhece-se a legitimidade do acréscimo, porém não há dinheiro para cumprir de imediato a obrigação.

Reprograma-se, sob a forma de violento contingenciamento, aquilo a que o Tribunal de Justiça se propôs e que não conseguirá cumprir. Todos os cortes foram feitos e, mesmo assim, haverá necessidade de uma substanciosa suplementação para honrar a folha de pagamento. Quase a totalidade do orçamento disponível ao Judiciário é destinado a pagar pessoal.

Apela-se a todos aqueles que têm condições de contribuir com sugestões e propostas, a oferta de opções para que o mais inerme dentre os Poderes possa levar a cabo a sua missão de pacificar. De onde extrair dinheiro num período de crise, de recessão, de queda de arrecadação, de estagflação e de desânimo?

O remédio amaríssimo, muito mais do que amargo, já foi ministrado. Resta aguardar que o paciente absorva o golpe e resista à imprevisível melhoria da situação republicana. Não adianta dizer que sempre foi assim. Este ano, indiscutivelmente, é um daqueles pesadelos horrorosos, dos quais se quer acordar, mas que continuam a apavorar, mesmo quando se tenta preservar a lucidez.

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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