O poder dos áulicos, por José Renato Nalini

 
Toda pessoa investida em autoridade se vê cercada por um grupo de pessoas cuja exclusiva função é incensar o detentor do cargo. Tenha ou não qualidades excepcionais, o poderoso é incensado. Os talentos do chefe são enfatizados, intensificados e exageradamente louvados pelos subalternos. A subalternidade não é tanto formal, quanto moral. Vocações de capacho se encontram dentro e fora das estruturas.

É a característica de seres humanos desprovidos de espinha dorsal ou dotados de um órgão similar complacente. Habituados à curvatura, ávidos por um exercício contínuo do mais abjeto servilismo. É raro que o ser humano revestido de qualquer parcela de poder continue a mesma pessoa que já foi antes de ter sido aquinhoado com essa porção de responsabilidade. 

O mais fácil e, portanto, mais comum, é impregnar-se dos melosos fluidos destilados pelos que sobrevivem quais avencas: sempre à sombra do poder. Isso explica, em grande parte, o ridículo de atitudes de arrogância, prepotência, hipersensibilidade ou soberba de alguns pobres seres que se iludem com a temporariedade das glórias humanas. "Sic transit gloria mundi", é a fórmula sapiencial.

Os Césares se faziam acompanhar de um escravo que repetia, enquanto desfilavam pela Roma em delírio: "Lembra-te de que haverás de morrer!". Hábito que, infelizmente, entrou em desuso. Hoje, as pessoas pensam que vão viver indefinidamente. Esquecem-se de que o mundo existiu durante milhões de anos antes de nós nascermos e que ele continuará a existir depois que, daqui a pouco, viermos a deixar esta esfera terrena. Triste papel o dos áulicos. 

Não permitem que o poderoso enxergue além do círculo de adoradores permanentes. Impedem que ele se banhe na realidade, que tenha contato com aqueles que, justamente por não partilharem da opinião comum dos bajuladores, poderiam contribuir com a imprescindível busca da verdade.

Essa a feição melancólica do convívio entre os homens, cuja miserável condição os converte em caricaturas, se não souberem distinguir o que efetivamente valem como pessoas, daquilo que representam enquanto detêm o poder. É a figura do "asno com relíquias", sempre lembrado por Antoine Garapon, meu colega juiz francês e filósofo do Direito e que precisaria ser relido por todos nós

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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