Tempos de carestia, por José Renato Nalini

 
Quando se gasta mais do que se ganha, o que se faz? Economiza-se. Cortam-se despesas. Mesmo aquelas que, aparentemente, não poderiam ser descartadas. Mas sobrevive-se.

Não é diferente em relação ao serviço público. Tenho a responsabilidade de ordenar despesas do maior Tribunal de Justiça do mundo. Nada se equipara à Justiça comum de São Paulo, com seus cinquenta mil funcionários, dois mil e quinhentos magistrados e mais de vinte e cinco milhões de processos. O orçamento é sempre mutilado. Nos últimos sete anos, enquanto o orçamento geral do Estado cresceu 97%, o do Judiciário cresceu somente 54%. Não há condições de resgate do que já se perdeu, num ano em que a arrecadação caiu vertiginosamente e nada indica recuperação em breve de uma economia em estado de penúria.

A receita é apertar o cinto. E como se mostra impossível deixar de cumprir as obrigações com o pagamento de pessoal – mais de 95% do orçamento são destinados a satisfazer a folha salarial – o remédio tem de contemplar outros elementos do custeio. Impõe-se um regime de severidade idêntico ao da economia da água. Gastar menos energia elétrica, pois ela sofreu reajustes e a verba reservada para pagá-la é mais do que insuficiente. Gastar menos papel, menos clips, menos telefone, menos combustível. Usar a criatividade. Insistir no trabalho a distância, na redução das viagens, no transporte solidário, no julgamento monocrático em lugar das sessões que se mostrarem desnecessárias, quando os temas se repetem e inócua a concentração de muitas pessoas para solucionar o que já está previamente decidido. Rende muito mais a decisão tomada na serenidade e até para o trânsito é melhor que as sessões sejam mais espaçadas. Alguém avalia o custo de um deslocamento para atos que podem ser praticados à distância? O TJSP elegeu há pouco um desembargador para integrar o Órgão Especial, numa eleição eletrônica, sem a necessidade de utilização de grande estrutura, de uso de veículos e de perda de um tempo melhor aproveitado na elaboração de decisões que solucionarão problemas concretos da população que custeia o sistema Justiça. Isso funciona. A tecnologia está disponível. Por que não utilizá-la mais e reservar dinheiro para o que é essencial? Cuida-se de operação simples: o cotejo do custo benefício em momentos de crise. A criatividade e o engenho superam em muito os óbices formais e o ritualismo estéril.

É evidente que muitos reagirão a esse regime de contenção talvez nunca antes enfrentado pelo sistema Justiça. Mas em lugar das queixas e reclamações, vamos pensar em oferecer alternativas. Onde buscar receita para o Judiciário sobreviver? O discurso do xeque-mate em relação ao Governo não funcionará. Ele também está cortando na carne. Vamos buscar outras opções. Enquanto isso, continuemos a fazer o que é possível para garantir a ocupação de milhares de pessoas que têm garantida a sua remuneração e que não acrescentam aflições às filas dos que procuram emprego e não podem atender às necessidades vitais de suas famílias.

Mais do que tudo, esperança de que as crises sejam superadas, que o Estado também tenha juízo e se enxugue, que se reduzam seus custos, a começar pela propaganda que, mesmo sob o rótulo "institucional", parece atender preferencialmente a interesses eleiçoeiros. Quem o diz é Eugênio Bucci, jornalista que ofereceu recente livro com a análise do que significa o incremento da comunicação por parte do Estado Brasileiro, em todos os níveis da Federação.

Todos somos chamados a um enfrentamento consciente e consistente de uma crise que é muito mais grave do que se poderia prenunciar, circunstância de que tantos ainda não se deram conta e continuam a reivindicar, como se os recursos financeiros pudessem surgir por encanto e atender aos clamores. Por mais legítimos que eles sejam.

Ainda não estamos numa economia de guerra. Mas, se não tomarmos tento, lamentavelmente chegaremos lá.

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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