Têmis, a deusa, está menos curiosa, por Gaudêncio Torquato

Têmis, a deusa, tem uma venda nos olhos para representar a Justiça que, cega, concede a cada um o que é seu, sem olhar para o litigante. Mas, por estas tropicais plagas, Têmis costuma afastar a venda que cobre seus olhos para dar uma espiada na clientela. Por que a diva faz esse gesto? Mera curiosidade? Há respostas para agradar a pluralidade dos indagadores, mas fiquemos com a ideia de que, aqui e ali, ouve-se à boca pequena, que juízes estariam se desviando do sagrado altar da Justiça para dar seu veredicto em agradecimento a patrocinadores de suas nomeações.

Por essa razão, é plena de mérito e louvor a decisão da representação política no Congresso Nacional de aprovar a chamada PEC da bengala, que estende de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria de magistrados do Supremo, Tribunais Superiores e Tribunal de Contas. Com essa decisão, o país adiciona mais experiência e conhecimento ao acervo da Justiça, eis que Suas Excelências, aos 70 anos, vivem a plenitude de sua maturidade intelectual. Nessa condição, voltar para casa e vestir o pijama da aposentadoria significa gerar formidável ao país, como, aliás, ocorreu até hoje.

A par da economia alcançada pela medida- calculada em torno de R$ 4 bilhões -, o país acrescenta alguns índices na autonomia e independência de seus juízes, o que contribuirá de modo expressivo para engrandecer a classe da alta magistratura e evitar que Têmis tenha vontade de espiar pelo buraco do pano que cobre seus olhos.

A PEC da bengala contribui para amenizar as criticas que se jogam sobre o STF, particularmente no que se refere à influência do Executivo, mais precisamente da presidente da República, que nomearia cinco nomes para aquela Corte caso os magistrados continuassem a se aposentar aos 70 anos. O jurista cearense Paulo Bonavides chegou, um dia, a dizer: "A Suprema Corte correrá breve o risco de se transformar em cartório do Poder Executivo". A versão mais comum é a de que, tanto nessa alta instância quanto em outras, as nomeações e promoções costumam passar por cima de critérios de qualidade. Uma liturgia de herança de poder se instala, com muita docilidade junto às cúpulas dos tribunais.

A ingerência do Executivo sobre o Judiciário, portanto, pode, até, continuar, mas é aparente que perante o STF tal influência tende a ser menor. O patrocínio de nomeações, como se sabe, produz a inevitável hipótese: a mão que nomeou um magistrado parece permanecer suspensa sobre a cabeça do escolhido, gerando retribuição.

O momento que atravessa o país realça o papel do Judiciário, cuja imagem de poder sagrado carece ser preservada, na linha da expressão do gênio Rui Barbosa: "a ninguém importa mais que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações e não conhecer covardia". Não se pretende aqui defender a tese de que o juiz precisa ves­tir o figurino da pessoa anódina, invertebrada, apolítica. Juízes insípidos, inodoros e insossos tendem a ser os piores. O que a sociedade quer é voltar a encontrar no Judiciário as virtudes que tanto enobrecem a magistratura e outros serventuários da Justiça: independência, saber jurídico, honestidade, coragem e capacidade de enxergar o ideal coletivo.

Na visão aristotélica, o Judiciário cum­pre uma função política. Expliquemos. A cota de política que Aristóteles atribuía ao homem abrangia seu dever de participar da vida da cidade, sob pena de se transformar em ser vil. Nessa tarefa, emprega os dons naturais do entendimento e do instinto para exercer funções de senhor e magistrado. Se o ensina­mento do filósofo grego for bem interpretado, não haverá restrição para ver na missão dos juízes uma faceta política.

Mas a questão é outra. Com freqüência, confunde-se o ente político, que se põe a serviço da co­letividade, com o ator que usa a política para operar interesses escusos. Naquele habita a grandeza, neste, a vilania. Sob essa grande diferença, membros do Poder Judiciário, entre muitos que orgulham a Na­ção, possivelmente enviesando o conceito aristotélico, parecem confundir Política com P maiúsculo com politicagem de p mi­núsculo.

O Judiciário precisa consertar os cacos do seu es­pelho, como o faz nesse momento o juiz Sérgio Moro. As razões da descrença devem-se ao comportamento de alguns (poucos) quadros. Que entram com antecedencia na esfera de temas que, mais adiante, serão objeto de seu julgamento. Juiz não pode e não deve trocar sua toga pela beca do advogado. Refiro-me especialmente à Justiça do Trabalho. Nunca foi tão fecunda a verbalização dos juízes, fazendo prejulgamentos, derivando daí a impressão de que descem do altar da Justiça para o beco da banalização política. É elogiável o esforço de uns para abrir fluxos de comunicação com a sociedade. Quando, porém, a expressão da alta administração da Justiça se transforma em negociação de bastidores ou em verbo desleixado do balcão das barganhas, a imagem do Judiciário se estilhaça.

Por fim, a lição de Bacon: "Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reve­rendos que aclamados, mais circunspetos que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza".

NOTAS

BOM DE BRIGA?
Lula volta aos palanques com a velha zanga: é bom de briga. Pensando que seu carisma é inesgotável. Não imagina que o país está mudando e muito. O bolso começa a ficar vazio, a barriga começa a roncar, o coração começa a doer e a cabeça começa a ficar indignada. O desfazimento da equação BO+BA+CO+CA( Bolso, Barriga, Coração, Cabeça) é também fruto do lulopetismo. Ninguém vai acreditar um pingo na lorota de Lula de que a crise é produto da imprensa.

PACOTE FISCAL
Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos. Não se faz ajuste fiscal sem sacrifícios. A primeira vitória do pacote fiscal foi alcançada. O articulador político do Governo, vice-presidente da República, Michel Temer, suou a camisa Conseguiu 8 votos do DEM, 8 do PSB e 3 do PV, entre os mais resistentes. O PT quis sair pela lateral. O PMDB não deixou.

5 BILHÕES
Um dirigente de um grande grupo empresarial, muito preocupado com as nuvens que divisa nos horizontes, confessa a este analista: no Brasil, nosso radar tem prospectado, nos últimos anos, negócios em torno de RS 70 a R$ 80 bilhões, dos quais ganhamos pequena participação. Este ano (2015), nosso radar prospecta negócios (no total) de apenas R$ 5 bilhões. Coisa pequena. Imagine o que é disputar um pedaço dessa pequena fatia. O desestímulo é geral.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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