Não dá mais!, por José Renato Nalini

O sistema Justiça no Brasil teve um crescimento singular. Mercê de uma educação jurídica centrada na judicialização de todos os assuntos, chegou-se à inacreditável cifra de 100 milhões de processos. Concebeu-se o "acesso à Justiça" como "ingresso em juízo", o que não significa o mesmo. Questões reiteradas, assuntos singelos, podem e devem ser resolvidos mediante uso das alternativas ao processo judicial.

Por que incentivar a conciliação, a mediação, a negociação, a arbitragem e outras estratégias de composição consensual de controvérsias?

Muitos os motivos que recomendam essa opção, em lugar da automática e inevitável propositura de nova ação judicial. O primeiro deles é que não há necessidade de se reiterar um pedido já enfrentado pelo Judiciário, com obtenção de resposta consolidada em jurisprudência predominante. Bastaria evidenciar que o tema foi resolvido e que não há sentido na reiteração de um pleito cuja decisão já se conhece.

Depois, o sistema Justiça que adotamos é sofisticado e complexo para uma República tão carente como a nossa. São cinco Justiças, embora se reconheça que o Judiciário é "uno". Elas funcionam com quatro graus de jurisdição ou "instâncias". O tema é decidido pelo juiz de primeiro grau, passa por um tribunal, chega a um Tribunal Superior, sediado em Brasília e tende a ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, a cúpula da Justiça nacional.

Esse percurso pode durar cinco, dez ou quinze anos. Pois um sistema recursal caótico permite mais de cinquenta oportunidades de reapreciação do mesmo assunto.

Por economia de tempo e de dinheiro, já se justificaria recorrer às alternativas ao juízo. Mas economiza-se também o dispêndio de angústia, de sofrimento, de intranquilidade enquanto se espera uma resposta da Justiça.

O mais importante, contudo, é fazer com que se resgate o princípio da subsidiariedade. Estamos privilegiando um modelo de sociedade que prefere acreditar no "Estado-babá". Uma população tendente a ser tratada como criança, esperando que o governo resolva todas as questões. Desde as mais simples, até as mais complicadas.

Sem que o povo se converta em cidadania, não haverá condições de implementação da Democracia Participativa que o constituinteprometeu em 1988. Este modelo de protagonismo não pode prescindir de um corpo coeso, consciente, maduro, provido de discernimento e de sensatez para atuar na gestão da coisa pública. Se tudo continuar a "cair do céu", inclusive a Justiça, nunca se deixará a infância ingênua de quem espera que o Judiciário atenda a todas as reivindicações e nunca saberá se defender à base de argumentação, diálogo e exercício concreto do contraditório. Cada qual fala o que sente, o que o aflige e a obtenção de um acordo poderá satisfazer muito mais ao anseio por justiça, do que receber uma decisão técnica, talvez a encerrar o processo, mas a manter ainda mais amargo o conflito que a ele deu origem.

Vamos pensar nisso e insistir em criação e consolidação dos CEJUSCs – Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania, NECRIM, iniciativa da Polícia Civil, Núcleos de Pacificação da Polícia Militar, OAB Concilia e todas as outras possibilidades de, ao mesmo tempo em que se resolvem questões práticas, ensina-se ao indivíduo a assumir um protagonismo cidadão que será a redenção desta República.

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de Saão Paulo.

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