Sementes, por Reginaldo Villazón

O Brasil é um país organizado no melhor estilo dos estados contemporâneos. Deixou a monarquia lá trás, hoje é uma república democrática gerida por presidente eleito pelo voto direto do povo. O poder é dividido em três, independentes na concepção: legislativo, executivo e judiciário. O cidadão em pleno gozo dos direitos políticos pode votar e ser votado. Para participar ativamente da vida política e concorrer a cargos eletivos, o cidadão tem que se filiar ao partido político que melhor defenda suas idéias e interesses.

Isto parece perfeito. Os estudantes brasileiros, desde o ensino fundamental, são treinados em saber e valorizar esta organização. De forma sistemática, políticos, juristas, cientistas sociais e jornalistas defendem as instituições, a democracia e as leis do país. Por outro lado, condenam as manifestações populares que não respeitam a organização vigente, criticam a participação dos militares na política e não aceitam reações populares armadas. Assim, o povo se sente confortável e seguro. Vê coisas erradas, mas engole a revolta.

Não é certo apontar defeitos na organização democrática brasileira, por comparação com ditaduras eficientes, porque as ditaduras sempre são injustas. Mas é preciso ver que, no estado brasileiro, há muita sujeira que não cabe debaixo do tapete. Na floresta amazônica, os crimes ambientais acontecem sem parar. No campo, a estrutura agrária perversa exclui famílias. Nas estradas, viajantes sofrem acidentes em trechos perigosos. Nas cidades, pessoas morrem vítimas de marginais, da polícia e da espera por tratamento médico.

A questão pode ser colocada de forma objetiva. Os brasileiros que têm trabalho e renda, casa e automóvel, plano de saúde e lazer, especialmente os mais abastados, podem lutar por um país melhor dentro das regras vigentes. Porém, como ficam os brasileiros abandonados pelo estado, que não cumpre suas obrigações? As instituições oficiais e os políticos custam caro e são pouco eficientes. Há interferências e atritos constantes entre os poderes. Os políticos perdem tempo em discussões políticas longas e improdutivas.

Aqueles que estão no poder e na mídia não estão em condições de falar em nome dos oprimidos. E os oprimidos não estão em condições de subir ao poder pela via democrática e realizar as justas mudanças. Mas há milhões deles – que vivem em casebres sem água e esgoto, que se sustentam de expedientes magros – com motivos suficientes para a insubordinação civil. A história humana está cheia de revoltas, antigas e recentes. Portanto, fica claro que há belos discursos democráticos neste país que não merecem crédito.

Hoje, o país está em crise. As instituições oficiais vão mal, os políticos estão perdidos, a economia desaba. Reformas políticas e econômicas serão insuficientes. Reformas estruturais abrangentes poderão ajudar. Mas a reforma do estado brasileiro terá que acontecer. Um novo modelo de estado deve ser adotado. A participação da sociedade nas decisões políticas e na gestão pública será indispensável. Nas passeatas, os manifestantes talvez nem desconfiem. Mas nelas podem estar surgindo as sementes da nova nação brasileira.

Comentários