O BRASIL É OUTRO? DEZ LEITURAS, por GAUDÊNCIO TORQUATO

 
A pergunta recorrente é: o Brasil é outro, a partir do dia 15 de março? A grande mobilização, a maior desde o movimento das Diretas Já, nos idos de 1984, terá impactos sobre a vida nacional? Vamos a algumas reflexões.

O que surge de uma primeira leitura é que vimos um Brasil cívico e participativo. As cores verde, amarelo e branco denotam a estética cromática da bandeira nacional. Diferentemente, por exemplo, do vermelho total da manifestação do dia 13, puxada por PT, CUT e MST. Uma coisa é defender o país; outra coisa, bem menor, é defender um partido. Quem foi às ruas?

Todas as camadas sociais estavam presentes – esta deve ser a segunda leitura. Evidente que as classes médias se fizeram representar em maior quantidade, eis que mais sensíveis e próximas aos eventos políticos. Mas não tem sustentação a hipótese de que as margens não estavam presentes. Desse modo, como se explica o fato de a presidente Dilma registrar, nesses dias turbulentos, apenas 7% na categoria bom/ótimo de avaliação positiva nas pesquisas de opinião? Portanto, o chamado povão também estava lá. O metrô de São Paulo se encheu de gente dos bairros periféricos. O que nos remete à terceira leitura, o discurso.

Qual a razão maior para puxar o cordão das manifestações? A teia de corrupção que envolve o país. Por mais que algumas entidades queiram dizer que o impeachment da presidente tenha sido o leit motiv, o arrastão das massas foi inspirado, com maior intensidade, pela ladroeira e, particularmente, pelo propinoduto no entorno da Petrobrás. É claro que as faixas pedindo impeachment também se faziam ver nas correntes das ruas. Em plano menor.

A quantidade de pessoas é outro ponto polêmico, daí a merecer a quarta leitura. Um milhão, duzentos ou seiscentos mil? Não importa muito a quantidade. Importa aduzir que foi a maior movimentação cívica desde 1984. E que se traduziu por uma participação plural da sociedade. Não apenas do eleitorado da oposição, como erradamente opinou o ministro Miguel Rossetto, esse mais próximo à presidente.

Diferentemente de mobilizações do passado, o grito do dia 15 foi convocado pelas redes sociais e por ondas formadas a partir dos círculos concêntricos. Nesta quinta leitura, percebe-se que os meios foram múltiplos: boca a boca, usuários das redes, veículos massivos de comunicação etc. Importante ressaltar que não houve convocação por meio de partidos políticos ou de centrais sindicais. Viu-se uma participação espontânea, natural, sem atendimento aos partidos ou a grupos pagos. Não houve distribuição de lanche nem passagem paga por patrocinadores.

Sexta leitura: errado também confinar o movimento a São Paulo. As regiões do país foram contaminadas pelo sangue do civismo, algumas com maior intensidade que outras. Viu-se, por exemplo, que as manifestações no Nordeste ganharam menor escala. Nem por isso pode-se dizer que a região não se tocou pela mobilização. No Rio Grande do Sul, a concentração de 100 mil pessoas em Porto Alegre deixou forte marca.

O que nos leva à sétima leitura, sobre o panelaço, que veio na sequência do evento. A tentativa dos ministros Miguel Rossetto e José Eduardo Cardozo de explicar a manifestação do dia 15 foi recebida com pancadaria nas panelas em muitas capitais. O ministro Cardozo se expressou melhor, uma fala mais política e mais certeira. O desastre ficou por conta de Rossetto, que atribuiu as manifestações aos eleitores que não votaram em Dilma. Um erro de visão. O ministro precisa tomar um banho de rua.

A oitava leitura mostra que a democracia participativa no país ganha densidade e solidez. Daí a nossa projeção de que esses movimentos deverão, doravante, se incorporar à paisagem urbana, de maneira pontual e em menores proporções. Veremos grupos e categorias profissionais indo às ruas para gritar por demandas específicas. E, ainda, acompanhar os passos do petrolão que devem seguir por todo o ano, batendo nas margens eleitorais de 2016.

O governo continua a estudar respostas. E a nona leitura é sobre os efeitos. O mais alentado é o pacote contra a corrupção, que não provocou nenhuma comoção. Afinal, normas e regras rígidas existem. Falta apenas cumpri-las. O governo responde às demandas com lero-lero, ou seja, discurso inconsequente. Deveria, isso sim, 0fazer cortes de gorduras e excessos. E, ainda, promover uma reforma ministerial para ajustar os parâmetros à realidade das ruas e a real politik.

Finalmente, a décima leitura nos leva ao amanhã, a aurora de um país passado a limpo, expurgado não de todas as mazelas, mas de alguns vícios e ilicitudes. Veremos os próximos tempos enxertados com sementes fortes: o escopo conceitual pedindo por mais ação e menos discurso; transparência; agilidade; qualidade; enxugamento; reforma política; ajustes econômicos; participação; envolvimento social; poder centrípeto ( das margens para os centros); punição; rigor e zelo.
NOTAS
REFORMA MINISTERIAL
Mexerá com três a quatro ministérios. No máximo. Henrique Alves, ex-presidente da Câmara, deve ser chamado.
LAVA JATO
A operação será bem mais larga. Mais gente entrará na moldura. E deverá tomar espaço na mídia durante todo o ano.
AVALIAÇÃO DE DILMA
Comunicação não faz milagre. Não adianta entupir os canais de mídia com propaganda governamental maciça. A melhoria da avaliação da presidente ocorrerá na esteira da economia. Que é a locomotiva do trem. Se falta combustível, este não poderá ser substituído por propaganda.
DUQUE
Este escriba viu, na Câmara, o depoimento de Renato Duque na CPI da Petrobras. Impressão: ele vai acabar dando mais nomes aos bois. Disse: há hora de calar, há hora de falar. Um recado.
TRAUMA E TRAUMANN
O ministro Thomas Traumann, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, deve deixar o cargo. O vazamento de seu documento deixou-o traumatizado. Não tem mais condições de continuar na Pasta.
NA MOITA
Passarinho na muda não pia. Lula está muito calado. Coisa rara em papagaio palrador.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

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