Julgar é ato solitário, por José Renato Nalini

 
Uma das mais solitárias dentre as atuações humanas é o ato de julgar. O juiz é um ser só. Sozinho. Com sua consciência e seus dramas. Com a árdua missão de proferir um julgamento e de assumir suas consequências. Pois o "julgar" como avaliação, como exercício espontâneo de simpatia ou de ojeriza, é um procedimento comum. Todos estão continuamente a aferir qualidades ou defeitos alheios. Mas só o juiz tem de assinar, fundamentar, assumir o risco de se equivocar. Pois é humano, falível, feito da mesma matéria-prima de todos os demais.

Por esse motivo é que o juiz sensível se angustia. Sofre a cada julgamento. Quer acertar, não suportaria praticar uma injustiça. Mas é comum sentir-se em desconforto. O processo judicial nem sempre - ou quase nunca - é o cenário de cooperação em que todas as partes se propõem a contribuir para a busca e consecução da verdade. No mais das vezes, principalmente quando o foco é financeiro, converte-se em arena de astúcias, onde o mais esperto consegue semear armadilhas que farão o adverso se perder.

Depressão, estresse e outras síndromes são comuns no universo do Judiciário. O perigo é a automatização, a robotização, a perda de sensibilidade e o julgamento superficial. Se para o juiz os casos se repetem e podem ser aparentemente idênticos, para a parte aquele é o processo de sua vida.

Tais reflexões mostram-se atualíssimas quando o juiz é pressionado a produzir decisões "por atacado", quando foi formado para decidir "no varejo". Mas o momento é dramático. 100 milhões de processos representam uma enfermidade da Nação Brasileira. Não é normal que 202 milhões de pessoas levem aos Tribunais processos que envolveriam todas elas. Pois cada processo tem duas partes e, excluídas as crianças - que em regra não litigam - aparentemente todo o Brasil estaria em litígio.

Daí o apelo que a Nação faz a toda a sociedade, no sentido de repensar o modelo de Justiça. Serão necessárias as quatro instâncias do Judiciário? São mesmo essenciais as dezenas de recurso para que seja reapreciado o mesmo tema inúmeras vezes? Será normal que todas as questões, mesmo as menores, precisem de um juiz para resolvê-las?

O momento é de muito juízo. Ainda não se fez a profunda reforma estrutural do sistema Justiça. Mas ela continua a ser urgente. Vamos trabalhar todos juntos à procura de uma solução?

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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