Chorar ou reagir? por José Renato Nalini

Mais de 500 jovens tiraram "zero" na redação do ENEM. Milhões de bacharéis deixam de obter aprovação no Exame da OAB. Esta semana um Prefeito me contou que entrevistou dezoito interessados numa vaga de advogado para seu município e que não conseguiu emplacar um. Isso porque fez um ditado e, ao examinar a peça, ela continha erros crassos, inadmissíveis para alguém que passara por uma Universidade.

A educação é a chave de todos os problemas brasileiros. Já houve tempo em que a escola pública era padrão. Dela saíam os campeões nos vestibulares. Quem recorria à escola particular era o aluno que não conseguia acompanhar as exigências do ensino oficial.

O
 que aconteceu com o Brasil? Há uma série de explicações. Os simplistas dirão que se deixou de investir. Mas a verba que o País destina à educação, vinculada e insuscetível de redução por parte dos governos, é comparável com a dos Estados mais adiantados do planeta. Dir-se-á também que o magistério foi desvalorizado. O professor da rede oficial tem medo do aluno. Há uma grande parcela ausente por problemas de saúde física e mental. O absenteísmo é crescente, sobretudo nas grandes estruturas.

Tudo isso pode conter um pouco de verdade. Mas o contexto é bem mais amplo. A sociedade brasileira sofre as consequências do declínio dos valores. Ela já foi estruturada sobre princípios básicos herdados da influência europeia continental. Autoridade, disciplina, ordem, patriotismo, solidariedade, tudo já teve sentido nesta Terra de Santa Cruz. O pensamento francês prevalecia sob a tríade inspiradora da liberdade, igualdade e fraternidade.

Aos poucos, liberdade se converteu em libertinagem. Faz-se o que se quer. Dentro de casa e fora dela. A criança não pode ser repreendida, pois ficará traumatizada. O psicologismo encontra escusa para toda a conduta, numa cultura de repasse. A culpa é sempre do outro. A igualdade não leva mais em conta o mérito. Todos têm direito a tudo, a despeito de trabalho, esforço ou sacrifício. O pacote precisa vir completo. Senão há revolta e invocação à isonomia, que teria sido desrespeitada. Fraternidade é algo totalmente sepultado. Cada qual pensa em si mesmo. Nem irmãos se respeitam quando o que está em jogo é o o dinheiro.

Como é que a Escola Pública pode transmitir valores se eles não existem dentro de casa? É fácil cobrar eficiência do governo, a quem se transfere uma responsabilidade indeclinável: aquela dos pais, primeiros formadores do caráter, treinadores da prole para o convívio solidário, para o civismo, para a obtenção de seu lugar na sociedade, condicionada ao desempenho pessoal e não à insaciável reivindicação de tudo aquilo que se poderia obter através do próprio esforço.

Não há mais tempo para tergiversar ou para apenas criticar e lamentar. Toda pessoa que tenha discernimento haverá de se sentir pessoal e diretamente responsável pelo descalabro da educação brasileira. Causa originária de todos os demais defeitos da República: descomprometimento com o interesse público, insensibilidade, egoísmo, corrupção, ineficiência em todos os setores.

Chorar já não adianta. É preciso reagir e assumir as rédeas de uma política pública superior a partidos e a governos. O que está em jogo é o futuro das próximas gerações.

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça

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