O ceguinho que enxergava demais, por Flávio Rodrigo Masson Carvalho


O cruzamento de duas avenidas, de uma pequena cidade do interior de São Paulo, era ponto, a mais de 40 anos de um senhor chamado Desidério, aparentava ele mais de 60 anos, idade estimada, pois ninguém sabia ao certo sua idade e nem seu nome verdadeiro, ninguém sabia nada sobre o homem. Somente que ele era cego desde o nascimento e que tocava viola, que na infância aprendera com um velho boiadeiro.
Vivia da doação dos transeuntes que todos os dias passavam pelas movimentadas avenidas da pequena cidade, e que se encantavam pela maneira que o ceguinho dedilhava sua velha viola, herança que lhe deixara o velho boiadeiro.
O ceguinho Desidério, como era conhecido, entendia tudo de política, conhecia todos os políticos, não somente da cidade mas, de toda a região, e muitos eram os políticos que com ele iam ter, afim de obter algum conselho ou orientação.
Desidério era sempre da situação, ele jamais fazia oposição, ele sabia como criticar, como cobrar. Defendia ele que todos deviam apoiar o prefeito eleito, não importando o partido, a plataforma política, todos deveriam trabalhar juntos em benefício da cidade, todos deveriam dar suporte para o prefeito, e os vereadores deveriam todos estarem irmanados do mesmo intuito, ou seja, todos deveriam trabalhar juntos para o progresso e o crescimento ordenado da cidade.
Desidério adorava a época de eleições, adorava as campanhas, a disputa entre os candidatos, gostava ele até das baixarias e falcatruas que os mesmos proporcionavam. Desidério dizia que política era coisa séria, e que as disputas, a corrida em busca do poder era saudável e importante mas, defendia que depois de eleitos os candidatos, todos deveriam se unir para trabalharem juntos pela cidade, deveriam todos remar juntos, já que estavam no mesmo barco, ou seja na mesma cidade. Defendia que deveria ter oposição, haver cobranças, mas estas cobranças deveriam ser feitas pelo povo, por aqueles que elegeram os políticos. Defendia que a população deveria ser mais participativa, acompanhando de perto os trabalhos realizados pelos políticos.
Dizia o ceguinho que é muito fácil cobrar, o difícil é fazer. Ele não se conformava com as brigas e baixarias entre os políticos, entre partidos, era um tentando "engolir" o outro, os que não eram eleitos, viravam ferrenhos opositores, sem nem mesmo dar uma chance aos eleitos.
O ceguinho não entendia nada, já que os políticos da cidade tinham esposa, filhos, pais, irmãos, amigos e seus negócios na cidade, suas vidas, seus futuros e os dos seus ficariam mais fáceis e melhor se a cidade progredisse, se desenvolvesse adequadamente e com harmonia.
O ceguinho não entendia por que tantos políticos trabalham contra a própria cidade, que tanto eles dizem amar. Muitos destes políticos ele conheceu bebês, nos colos de suas mães, muitos destes políticos cresceram ouvindo o ceguinho tocar sua viola, e muitos destes políticos ouviram desde muito cedo, os gratuitos conselhos que ele dava sobre política, e a maioria destes políticos jamais acataram tais conselhos.
Desidério amava demais esta cidade do interior de São Paulo, amava demais a política, e acreditava ser a mesma o melhor instrumento para a transformação social. O ceguinho enxergava demais!
O ceguinho não mais faz ponto no cruzamento das duas avenidas. Já faz alguns anos que não se ouve naquela cidade o som da velha viola.
A cidade segue sua trajetória de evolução, com muitos problemas, com muitas dificuldades, com muitos políticos cegos, mas o ceguinho que enxergava demais não mais fazia daquela cidade que tanto amava sua morada. Têm ele agora uma nova morada, vive em outra cidade vizinha, não mais toca a sua viola, vive triste, solitário, mas ainda amando muito a política. O ceguinho que enxergava demais, hoje vive em uma instituição chamada Bezerra de Menezes.
*Flávio Rodrigo Masson Carvalho
Equilibriumtc@hotmail.com

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