JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Por Aline Alves de Oliveira; Isabella Cristhina Prado Ribeiro e Larissa Mascaro Gomes da Silva de Castro

No Brasil, país constituído como um Estado Democrático de Direito que prima pelo respeito aos direitos humanos, garantias e liberdades fundamentais e no qual autoridades e cidadãos estão sujeitos aos limites impostos pela lei, o direito de punir pertence ao Estado. Cabe às autoridades legalmente competentes promover a defesa social e impor punições e restrições aos criminosos. Discussões acerca desse entendimento historicamente consolidado têm sido levantadas, no entanto, em face de inúmeros episódios nos quais populares decidiram fazer justiça com as próprias mãos, seja por falta de atuação do Estado ou ineficiência do Judiciário, seja por falta de policiamento, rompendo, assim, o pacto social e retornando a um sistema semelhante ao da vingança privada.
Nos primórdios da sociedade, a punição sempre era imposta como vingança, prevalecendo a lei do mais forte. O próprio indivíduo, conforme sua discricionariedade, agia para solucionar o conflito e estabelecer a pena. Essa punição realizada por mãos próprias trazia, entretanto, insegurança, uma vez que a pena não obedecia ao princípio da proporcionalidade, submetendo-se unicamente aos interesses da pessoa ou comunidade lesada. Com a evolução da organização social e consolidação do Estado, a sociedade aderiu a um novo modelo, visando a diminuir essa insegurança gerada pela vingança privada. Nesse novo modelo, baseado no Contrato Social, os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem parcela de sua liberdade e direitos, franqueando ao Estado o poder de punir. Esse é o sistema vigente no Estado Democrático de Direito, constitucionalmente adotado no Brasil.
A realidade observada hodiernamente contraria, entretanto, essa concepção do direito de punir. São crescentes os números de casos em que particulares, indignados com as falhas da segurança pública e insatisfeitos com o sistema penal, revoltam-se e promovem justiça segundo concepções próprias, desconsiderando importantes princípios constitucionais, tais como o da dignidade da pessoa humana, o da legalidade, o do devido processo legal, o do contraditório e o da ampla defesa. Tornou-se comum e socialmente aceito amarrar e agredir assaltantes em praça pública, espancar ou, em alguns casos, matar acusados da prática de algum ato delituoso, tudo em nome de uma concepção equivocada de justiça.
Episódios como o ocorrido no Rio de Janeiro, onde um grupo denominado “justiceiros” espancou e amarrou, sem roupas, em um poste, um adolescente acusado de praticar roubos na região do Flamengo, repetem-se em vários estados do país. Recentemente, na Baixada Santista, em São Paulo, uma mulher foi espancada até a morte após ter sido confundida com uma suposta sequestradora de crianças que teve sua imagem publicada em uma rede social. Os moradores do bairro concordaram que se tratava da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 31 anos e, assim, decidiram que era justo e certo agredi-la, como forma de puni-la por um crime que ela nem mesmo cometeu. Que ideal de justiça é esse? O qufole motiva os cidadãos a promover vingança privada?
Essas punições aplicadas por particulares, além de serem ilegais e inconstitucionais, configuram um retrocesso na evolução da civilização, na superação do estado de barbárie e na própria formação do Estado Democrático de Direito. Por se basearem em um senso de justiça em geral subjetivo, as punições são desproporcionais e extremamente violentas, violadoras da dignidade humana, isso sem falar no grande risco, pela falta de um devido processo legal, da ocorrência de injustiças e equívocos, como a punição de alguém que não cometeu delito algum. A omissão do Estado não justifica o retorno às práticas de vingança privada. Cabe aos cidadãos exigir, pelos meios democraticamente erigidos, que ele exerça de forma eficiente o direito de punir que a própria Constituição lhe confere.

Aline Alves de Oliveira: Acadêmica do curso de Direito da UFG – Campus de Goiânia/GO. E-mail: alinealveso@gmail.com

Isabella Cristhina Prado Ribeiro: Acadêmica do curso de Direito da UFG – Campus de Goiânia/GO. E-mail: isabellacristhina@hotmail.com

Larissa Mascaro Gomes da Silva de Castro: Professora do curso de Direito da UFMS – Campus de Três Lagoas/MS. E-mail: larissasilvacastro@gmail.com


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