Falta humanização nas escolas médicas, Antonio Carlos Lopes

O uso das novas tecnologias deixa mais evidente a recorrente deficiência na formação médica: hoje, quase 70% dos exames solicitados são desnecessários. Isso ocorre por que as escolas médicas não graduam seus acadêmicos da maneira adequada.
Há falhas gritantes em todo o processo de formação. O problema central é de visão do papel da medicina. Ou melhor, da falta de visão. A maior parte das faculdades de medicina foca seus cursos no tratamento das doenças, quando deveriam se preocupar com o doente, com o paciente que, por vezes, passa desapercebido.
O aparelho formador trabalha sob a falsa ótica de que a tecnologia é suficiente para resolver todos os problemas de saúde, o que é um grande equívoco. As máquinas jamais substituirão o ser humano. Um bom médico é o resultado de sua história, vivências, consistência e sentimentos; da forma como enxerga e se entrega à tarefa de buscar o bem estar do paciente. Enfim, é aquele que possui educação médica e não apenas escolaridade.
A formação requer a presença do professor, contemplando habilidades, ética, atitudes, valorizando também o cognitivo. Infelizmente, nas escolas de agora, nada disso acontece. Em muitas delas não há quem ensine ou, principalmente nas que estão sendo abertas, há somente aqueles que deveriam estar aprendendo.
Medicina se aprende ao lado de quem sabe. É evidente que se aprende à beira do leito, nos ambulatórios, sendo que a tecnologia, além de esfriar o relacionamento com o paciente, faz com que a nossa medicina seja uma das mais caras do mundo.
Se quisermos avaliar um médico, basta analisar a receita dele: quanto mais medicamentos prescritos, menos se sabe sobre o diagnóstico. Quanto mais exames solicitados, menos sabe o médico sobre o paciente.
A falta de conhecimento básico compromete a boa anamnese, absolutamente fundamental para o diagnóstico. Como bem dizia o professor Oswaldo Ramos, "médico não pode ser um gigolô de máquina".
A nobreza da medicina advém, além de tudo, do fato do médico poder tocar seu paciente, procurando dar-lhe o que é mais importante, a saúde. Essa interação, quando feita com carinho, tem consequências valiosas, provocando várias alterações positivas no doente quando ele sente a presença do verdadeiro médico.
A criação de muitas escolas médicas infelizmente se baseia na vaidade, prepotência e na busca de prestígio, além de estar apoiada em elementos distorcidos, como o tecnicismo e a busca desenfreada pelo lucro, como se a medicina fosse feita de paredes, máquinas e luxo.
Essa doença agora em moda, associada à fala de infraestrutura minimamente necessária, é que ameaça matar a medicina brasileira. Só temos a lamentar.

*Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

Comentários