Igualdade e desigualdade:a dignidade humana sob ameaça

Por Pedro Neves e Cláudio Lopes

O Brasil é um país diverso, complexo e miscigenado, características notórias e constitutivas de seu povo e sociedade. Formado por brancos, negros, índios e da mistura e interação entre esses povos e etnias, é, pois, uma nação que traz, da  diversidade, a sua unidade. Teoricamente, essas características, por si sós, não permitiriam o abrigo do preconceito, mas as arbitrariedades têm descaracterizado o sentido de diversidade. E o país passa, de variado, diverso, a homogêneo: a ordem parece ser branca.

O progresso é somente para os brancos; a (outra) ordem, para os demais. Branco já não mais condiz com uma tonalidade de cor, mas com um modo de ser, agir e pensar. Por isso, fala-se no mito da democracia racial brasileira. A igualdade entre povos é inexistente. Negros e índios são pobres, em regra, porque enfrentam uma monumental hostilidade étnica (quase racial) no espaço escolar; práticas discriminatórias proliferam-se no seu acesso ao emprego, porque são os últimos a ser admitidos e os primeiros candidatos a demissão. Esse resultado é "presente" de um passado sombrio e que tem gerado, ao longo de séculos, sequelas, como as polêmicas ações afirmativas, que visam a beneficiar esses grupos discriminados (ou, discriminadores?!).

Muitas são as críticas feitas contra tais medidas, mas, levando-se em consideração que se visa à democracia na representação do perfil demográfico da sociedade e ao combate à desigualdade social, a política de cotas nas universidades federais, no quesito socialização, seria também uma maneira de extinguir o etnocentrismo branco. Há quem diga que esses atos causariam a diminuição da qualidade do ensino, pois a capacidade de um adolescente advindo de escolas públicas não se compara à de outro que veio de escola privada e fez curso pré-vestibular, e poderiam ocasionar a criação de um sistema de castas e buracos no sistema educacional. Isso pode representar um pensamento racial, classista e preconceituoso, pois as políticas compensatórias têm-se constituído numa oportunidade ímpar para a população pobre do Brasil. Gente que nunca teve oportunidades na vida, "vai com tudo" quando as tem. Quanto à "sociedade de castas", já se vive nela, onde a cor da pele é mais importante que o brilho dos olhos, resultando numa cidadania de papel, já que os prejudicados, que ocupam uma posição inferior, não teriam acesso aos seus direitos (não nos esqueçamos de que todos estamos sujeitos a uma cidadania regulada, no dizer de Roberto Damatta). Contextualizando, direitos como nascer livre e portar igualdade em dignidade, remuneração justa e trabalho ou como circular livremente não saíram do papel; afinal, a ideologia branca está tão enraizada na sociedade, que o diferente é visto como uma aberração natural, como um inimigo, o hostil, aquele que deve ser expulso, alijado, aniquilado, se possível.

É certo que cotas constituem-se apenas em medida paliativa e não resolverão o problema brasileiro quanto à educação, entretanto, no que se refere à convivência com o "diferente" (meio estranho dizer isso, levando em consideração o processo de formação da sociedade brasileira), será um ponto positivo. Enquanto isso, não se pode negar que somos desiguais e, para combater a tirania, precisamos rediscutir a célebre frase de Ruy Barbosa em sua "Oração aos Moços", reveladora de uma lógica de desigualdades, em vez de privilegiar a oportunidade de igualdade a todos. Nesse sentido, qualquer política voltada às ações afirmativas pode servir para equilibrar a balança, contrariando, justamente, a lógica do discurso mencionado. Não se trata de desigualar os desiguais na medida de suas desigualdades, mas de corrigir as fontes dessas desigualdades, visando a igualar os desiguais. Só assim poderemos começar a ruptura necessária e superar a ideia nefasta de uma cidadania regulada para construirmos uma cidadania plena e democrática.

Pedro Augusto Sousa Silva Neves: Acadêmico de Direito da UFMS - Campus de Três Lagoas e-mail: pedroassn@hotmail.co

Cláudio Ribeiro Lopes: Doutorando em Sociologia e Direito, professor da UFMS – Campus de Três Lagoas. e-mail: claudiolopes198@gmail.com

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