Exercício democrático

Reginaldo Villazón
Em 2006, o presidente do México era Vicente Fox Quesada, do PAN (Partido da Ação Nacional), eleito com promessas democráticas. O governador do Estado do México, onde se localiza a capital do país, era Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucionário Institucional), um advogado de 40 anos. O México vinha de um longo período de governos eleitos pelo povo, porém sob a supremacia de um partido político há mais de 50 anos.
Naquele ano, nos dias 03 e 04 de maio, nas cidades vizinhas de Texcoco de Mora e San Salvador Atenco, próximas à capital – Cidade do México –, houve confrontos violentos entre forças policiais e moradores. O povo defendia o comércio de flores fora do Mercado Municipal de Texcoco e se opunha à construção de um Aeroporto Internacional em Atenco.
No dia 03, fiscais e policiais de Texcoco impediram o comércio de flores fora do Mercado Municipal. Os comerciantes de flores pediram apoio à população de Atenco. Os grupos solidários de Atenco chegaram na companhia de ativistas da Frente dos Povos em Defesa da Terra, conhecidos pela luta contra a construção do Aeroporto Internacional em suas terras. A polícia repeliu os manifestantes e fez 84 prisioneiros. Os manifestantes reagiram, bloqueando uma rodovia e aprisionando funcionários públicos.
No dia 04, uma força de 2.515 policiais – federais e estaduais – foi posta contra os manifestantes na cidade de Atenco. O relatório de investigação da Comissão Nacional de Direitos Humanos, publicado 05 meses depois, apontou o saldo da tragédia: 207 pessoas (incluindo menores) sofreram tratamento cruel, desumano ou degradante; 145 pessoas foram presas arbitrariamente; 26 mulheres foram violentadas; 05 estrangeiros foram agredidos e expulsos do país; 02 jovens foram mortos.
Seis anos depois, após ter cumprido o mandato de governador do Estado do México, Enrique Peña Nieto (PRI) estava em campanha pela presidência do país. No dia 11 de maio de 2012, apresentou seu programa de governo numa palestra na Universidade Iberoamericana, na Cidade do México, diante de professores e estudantes. Questionado pelos estudantes sobre os acontecimentos de 2006 em Atenco, ele respondeu que utilizou a força policial para restaurar a ordem e a paz. Foi intensamente vaiado pelos estudantes e precisou da ajuda dos seus agentes de segurança para abandonar a universidade.
Seus partidários e a grande mídia mexicana minimizaram o episódio e afirmaram que não foi um ato espontâneo de estudantes, mas um ato premeditado de opositores. Em resposta, 131 estudantes divulgaram um vídeo na internet, no qual se apresentavam munidos de suas carteiras da Universidade. Dias depois, o jornal inglês The Guardian divulgou provas do envolvimento desonesto dos políticos com a grande mídia. Então, surgiu o movimento "Yo Soy 132" (eu sou o estudante 132) que se alastrou no país e no exterior.
Enrique Peña Nieto venceu as eleições com a vantagem de 6,6% sobre o segundo colocado, vantagem menor do que nas pesquisas eleitorais. Tomou posse em 01 de dezembro de 2012. Na presidência do México, ele tenta se afastar de escândalos e promover reformas estruturais no país. A onda de protestos do movimento "Yo Soy 132" valeu a pena.
Objetivamente, este caso mostra que não se faz democracia apenas com eleições, instituições e leis democráticas. O autoritarismo acontece dentro das democracias. Por isto, as manifestações políticas são necessárias. Elas não indicam crises nas democracias, mas correções de rumo nas democracias. As crises, estas existem até nas melhores democracias, quando o povo se deixa iludir pelos políticos, permanece calado e submisso.

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