As inquietações da saúde pública

Por Débora Salatino Palomares e Michel Ernesto Flumian
A questão da saúde no Brasil sempre esteve em destaque, em decorrência da situação caótica em que se encontra. Mesmo com as mudanças e avanços nas últimas décadas, a população sofre com a falta de médicos e a má infraestrutura dos hospitais. Entretanto, quem mais sofre com esse estado alarmante é, principalmente, a população de regiões mais carentes, que possuem acesso restrito à saúde devido à deficiência (tanto de profissionais quanto de infraestrutura), sendo estas regiões a do Norte e Nordeste do país. Diante dos fatos, o governo brasileiro anunciou, em julho, o programa Mais Médicos, com o intuito de levar médicos brasileiros e também estrangeiros para as áreas que necessitam de profissionais.
É notório que a saúde brasileira apresentou melhoras, especialmente, com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual trouxe garantias que tornaram a saúde um direito de todos e um dever do Estado, de forma a atingir a população de maneira igualitária e com equidade. Após 25 anos da promulgação da Constituição, é possível notar mudanças significativas no setor da saúde, tais como a ampliação do acesso para todos os brasileiros (o sistema é universal); campanhas de vacinação que tiveram grande sucesso, como por exemplo, a da vacinação infantil que alcançou mais de 95% das crianças, além de significativa queda na mortalidade infantil. Além disso, houve grandes avanços tecnológicos em relação aos instrumentos e técnicas utilizadas na medicina.
Apesar de todos os avanços, estes não foram suficientes para suprir as necessidades e atender a população. As emergências dos hospitais encontram-se sempre lotadas, há macas pelos corredores por causa da falta de leitos, bem como há muita dificuldade ao acesso a consultas e até mesmo à realização de cirurgias emergenciais na rede pública de saúde. Isso ocorre em decorrência da deficiência na infraestrutura dos hospitais e também da falta de médicos para atender a todos.
Segundo o último levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), realizado em 2012, o Brasil possui 388.015 médicos, cerca de 1,8 por mil habitantes, sendo considerado um índice baixo se comparado com outros países, como Argentina (3,2) e Uruguai (3,7). Em relação ao Distrito Federal e os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, estes possuem, respectivamente, taxas de 3,46, 3,44 e 2,49 médicos por mil habitantes. Enquanto que a situação se inverte em outros estados que não somam nem um profissional por mil habitantes, que é o caso do Maranhão (0,58), Amapá (0,76) e Pará (0,77).
Por conseguinte, a situação nas capitais dos estados e nos municípios próximos, principalmente do Sudeste do país, se apresenta em melhores condições se comparado com as regiões mais afastadas dos centros urbanos, como o Norte e Nordeste do Brasil, especialmente as cidades do interior dos estados à situação da saúde se torna ainda mais preocupante.
Em razão do problema de infraestrutura dos hospitais os médicos são atraídos para os municípios que oferecem melhores condições de trabalho, de modo que as cidades do interior que não possuem essa infraestrutura sofrem com o déficit de profissionais. Com isso, o programa Mais Médicos tem como objetivo o melhor atendimento à população no Sistema Único de Saúde (SUS), trazer mais investimento em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, e também levar mais médicos para as regiões onde há carência e ausência de profissionais.
As vagas são oferecidas, primeiramente, a médicos brasileiros que possuem interesse em atuar nessas regiões e, caso não haja o preenchimento de todas as vagas, o país está aceitando a inscrição de profissionais estrangeiros. No dia 14 de agosto foi anunciada a seleção de 1.618 médicos, sendo 358 estrangeiros. Esse número de profissionais ainda não é suficiente para a demanda brasileira, a qual é de 15.460 médicos para 3.511 municípios do país.
Ainda que a instalação do programa seja uma solução para o problema do déficit de médicos no país, esta é uma medida de curto prazo. Além disso, haverá muita dificuldade em relação às condições de trabalho para os médicos, tanto brasileiros quanto para estrangeiros, pois a infraestrutura dos municípios e dos hospitais não foram melhoradas para receber esses profissionais.
Segundo Carlos Vital, vice-presidente do CFM, a má distribuição de profissionais não está relacionado a um desinteresse por parte dos médicos, mas sim a um problema muito mais grave. "Os médicos brasileiros até migram para essas regiões, mas se deparam com uma cidade sem infraestrutura. Não há hospitais, não há Unidade de Pronto Atendimento (UPA) nem Unidade Básica de Saúde (UBS). Não há transporte, ou seja, não há o mínimo de condições para atender a população. O médico se sente impotente diante de uma situação como essa. Ele vai fazer o quê, sem um local para atender? Só prescrever medicamento? O problema tem uma base complexa que não pode ser resolvida simplesmente com a vinda de médicos estrangeiros. O Brasil precisa, primeiro, melhorar as condições de infraestrutura de saúde".
Assim, apesar do aperfeiçoamento em tecnologia, infraestrutura e a garantia da saúde ser um direito de todos, estas mudanças ainda não foram suficientes para atender a população brasileira, visto que, em sua maioria, os hospitais não possuem infraestrutura apropriada, e por consequência ocorre enorme déficit de médicos nessas regiões, especialmente no interior do Norte e Nordeste do Brasil. Desse modo, o Programa "Mais Médicos" carece de planejamento e de estratégia em saúde e mostra-se apenas como uma solução política, emergencial, não permanente e longe de solucionar o problema.
Logo, é necessário o aprimoramento pelo Governo do uso dos recursos, visando que estes possam ser empregados de maneira adequada e inteligente, pois, em sua grande maioria, os recursos são administrados de forma incorreta e, consequentemente, ocorre o desperdiço de dinheiro público. Por conseguinte, acaso haja real interesse em diminuir as mazelas sofridas pela população, certamente se investirá mais e melhor na estruturação dos serviços de saúde, bem como se remunerará adequadamente o profissional para que o mesmo se saia da sua zona de conforto e se arrisque a fazer em regiões carentes desses profissionais.
Débora Salatino Palomares: Acadêmica do Curso de Direito da UFMS – Câmpus de Três Lagoas. E-mail: debora.spalomares@gmail.com
Michel Ernesto Flumian: Professor da UFMS do Campus de Três Lagoas/MS. E-mail: meflumianadv@uol.com.br

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