O médico em crise

Por Pedro Felix Vital Jr.*


Diante de tantas situações novas envolvendo os médicos, peguei-me em reflexões e questionamentos. Conjecturo sobre a razão de se encontrar mergulhada em tamanha crise uma profissão que sempre esteve inserida num contexto de sacerdócio na sua doação, numa posição elevada na pirâmide sociocultural e na liderança da pesquisa e academicismo.
A valorização da carreira no Brasil padece de um estado mórbido, silencioso e latente, claramente perceptível na trajetória de várias gerações de profissionais, que, se bem posicionadas, ignoraram as grandes massas e seus movimentos e, se dentro da grande massa, lutam para existir e suprir suas expectativas, a um custo que muitas vezes apena a sua construção saudável. Tal atitude sacrifica alguns princípios doutrinários e suas sequelas tornam-se mais evidentes para a sociedade do que muitas das boas ações praticadas no cotidiano. Supõe-se que o "bem" que é feito esteja embutido no pacote da opção profissional.
Valorizar esse estado de ser médico transcende às questões financeiras, apesar da importância do aspecto material inerente a todas as carreiras. Ambiente e qualidade de trabalho adequados, acesso à qualificação, educação permanente, trocas de experiências e reconhecimento comporiam o contexto da motivação para o exercício digno da profissão, expresso em respostas e resultados que a sociedade espera e exige.
Numerosos colegas vivem em constante estado de "Burnout" (esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional). Dividem-se em vários locais de trabalho, seguindo verdadeiras maratonas de plantões, supondo, num plano imaginário, conseguir os elementos materiais que possibilitariam a composição da sua qualidade de vida. Ficam mais vulneráveis e susceptíveis aos erros médicos, sempre imperdoáveis e juridicamente imputáveis aos olhos da população, e se expõem aos grandes vilões da má alimentação, ao estresse, à agressividade e à depressão. Mergulham num vazio que torna difícil entender exatamente a causa que os mantém num ambiente de tantas adversidades. A vocação?
Estamos enxergando a atuação do médico assistencialista conectado ao empreendedor, ao pesquisador, ao líder de equipe, ao estrategista, ao administrador e ao profissional de olhar amplo, que consegue identificar dentro do seu microambiente as oportunidades de desenvolvimento individual e coletivo? Quantos de nós dedicamos alguns minutos de nosso tempo para pensar no que fazemos de diferente em prol de nossa carreira? Quantos de nós estabelecemos metas de realizações pessoais ou coletivas? Quantos de nós pensamos estrategicamente em nosso futuro?
Caso tenhamos a intenção de voltar a ser fortes, deveremos rever conceitos. A realidade à qual estamos inseridos nos permite muito pouco amadorismo. As informações chegam rapidamente e são metricamente incontáveis. Pensar em grupo e agir coletivamente deveria ser meta jamais perdida. Sermos efetivos e mostrarmos os nossos resultados são exigências do mundo globalizado.
De fato, já somos diferenciados pela nossa opção profissional. Entretanto, poderemos perder o bonde da história caso não nos apoderemos de maneira ética, civilizada e inteligente do potencial transformador do médico, que vivencia uma crise existencial de exponencial grandeza.
*Pedro Felix Vital Jr. é o coordenador do Curso de Medicina da Faculdade Santa Marcelina.

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