O descaso com as obras de arte

Por Débora Salatino Palomares e Alisson Maxwell Ferreira de Andrade

Nos últimos anos, verifica-se uma maior preocupação do governo federal na preservação do patrimônio histórico nacional. Exemplo disso é a utilização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para "turbinar" o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Estima-se que, em 2013, apenas o PAC injetará algo em torno de 300 milhões de reais para a restauração e conservação de cidades históricas. Para empenhar esses recursos, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, nomeou a nova presidente do IPHAN, Jurema Machado, em setembro do ano passado. Para ela, dinheiro para conservação do patrimônio brasileiro não será problema. Em entrevista ao Correio Braziliense, a nova presidente do IPHAN disse: "É completamente diferente o quadro do IPHAN hoje em relação a alguns anos atrás e esses R$ 300 milhões do PAC representam seis vezes o orçamento para investimento do IPHAN em obras." Entretanto, apesar do discurso político, o que se verifica nas ruas de todo o país é uma situação de permanente degradação das obras de arte em vários municípios brasileiros.
A Fonte Monumental, localizada na Praça Júlio Mesquita, no centro da capital paulista e símbolo da São Paulo em transformação nos anos de 1920, até pouco tempo atrás poderia ser considerada como a fotografia dessa situação calamitosa que atinge as obras de artes em todo o país.A "Fonte das Lagostas", como também era conhecida antigamente, foi protagonista de acontecimentos históricos, como oepisódio conhecido como a Revolução de 1924, quando a cidade foi invadida por tropas do general Isidoro Dias Lopes, interrompendo o andamento da obra, que ficariapronta apenas em 1927. A fonte vinha sofrendo um processo de degradação ao longo dos anos, provocado pelo próprio decurso do tempo, pela poluição e pelo vandalismo. Diante disso, desdeo ano passado, a fonte vem passando por reformas: será cercada com placas de vidro, que começaram a ser instaladas no mês de março, sendo transformada em uma espécie de aquário.
A medida de colocar hoje a fonte em uma espécie de aquário tem por objetivo protegê-la do vandalismo e impedir, sobretudo, que continue sendo utilizada como banheiro público ou ainda evitar que se transforme em uma piscina ou local de lavar roupas dos moradores de rua, como já ocorreu. Além disso, há também marcas de urina no mármore de Carraraao redor da fonte, para cuja tentativa – infrutífera – de remoçãoforam utilizados vários produtos químicos, produzindo manchas amareladas e amarronzadas. Para não agravar os danos já existentes, a decisão tomada foi não mexer nela.
Ademais, o material em bronze do chafariz, as lagostas e os mascarões foram substituídos por réplicas em resina que custaram R$ 500 mil ao DPH (Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura). Essa troca confronta a teoria da restauração: o observador da escultura fica diante de um "falso histórico" que, de certa forma, o engana; porém, como a fonte está localizada na região da cracolândia, a manutençãodosobjetos bronze poderia favorecer a ocorrência de alguma espécie de vandalismo.
Outras obras de arte vêm sofrendo, no Brasil, com os mesmos problemas, como o Monumento aos Açorianos, construído em 1970, em Porto Alegre, que foi cercado e precisará de reformas por causa das corrosões provocadas pela urina de pessoas e animais. Sob assessoria técnica da Secretaria Municipal da Cultura, por meio da Memória Cultural, o projeto para restauro do monumento terá custo em torno de 350 mil reais.
Apenas na cidade de São Paulo há cerca de 400 monumentos públicos marcados por uma realidade bem triste: o descaso, as pichações, o abandono e a falta de manutenção. Um exemplo disso éo monumento Discóbolo, localizado na Praça General Polidoro, no bairro da Aclimação: os dedos do "personagem" estão totalmente quebrados, a fonte em que o monumento se localiza está inativa e, além disso, está sempre sujo de fezes de pássaros. Outra obra que sofre com o descaso é a escultura Índio Ubirajara, construída em 1925,que se encontra hoje no Largo Ubirajara, no bairro de Belém. Ela apresenta as mesmas condições de degradação e também tempartes quebradas, como a lança, que simboliza a resistência do povo indígena, além de pichações espalhas pela obra. Um terceiro exemplo é o Monumento àAmizade Sírio Libanesa, obra produzida pelo escultor Ettore Ximenes, em 1922, localizada na Praça RaguebChohfi, hoje toda pichada e comalgumas esculturas sem os braços, ou sem pernas, cabeça e os pés.
A situação repete-se na região do oeste paulista,em que obras de arte e patrimônio histórico estão em processo de degradação. É o que acontece, por exemplo, na cidade de Itapura, localizada a 220 quilômetros de São José do Rio Preto, marcada pelo abandono, há décadas, do Palácio do Imperador D. Pedro II, construído em 1858. Há um projeto para que seja restaurado ainda este ano, com custo de aproximadamente de 250 mil reais.
Também na cidade de Três Lagoas, no Estado de Mato Grosso do Sul, as poucas obras de arte presentes na cidade não são bem cuidadas e conservadas. Como exemplo, tem-se o totem que marca e celebra o centenário da imigração japonesa no Brasil e que sofre com a ação do tempo, em especial a corrosão da ferragem. Há também o Relógio central da cidade, que sofre com o descaso, com as pichações e com os acidentes provocados por motoristas, sendo necessária a instalação de blocos de concreto para impedir a passagem de veículos muito próximos à obra.
Assim, é necessário promover uma cultura que valorize as obras de arte para que a comunidade entenda o valor e a importância do cuidado e da preservação que merecem. Enquanto isso não acontece, as diversas obras espalhadas, não só na cidade de São Paulo, mas em todo o Brasil, sofrem com o desrespeito e o descaso, quer da sociedade, quer das autoridades, que, por não conseguirem prevenir o vandalismo,gastam valores altíssimos para restaurar as obras de arte ou utilizam medidas drásticas, como colocar placas de vidro ao redor de um monumento a fim de protegê-lo. Finalmente, a preservação do patrimônio histórico brasileiro precisa de menos retórica política e de mais ações efetivas. Uma delas, indubitavelmente, consiste na melhor educação do povo brasileiro.Débora Salatino Palomares: Acadêmica do Curso de Direito da UFMS – Câmpus de Três Lagoas- debora.spalomares@gmail.com Alisson Maxwell Ferreira de Andrade: Professor do Curso de Administração da UFMS – Campus de Três Lagoas.: alissona@fearp.usp.br

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