Turbulências

Reginaldo Villazón
As manifestações populares de junho no país pegaram de surpresa os analistas sociais. Não havia nuvens no horizonte para anunciar os acontecimentos, como se deram, em conteúdo e abrangência. No início, jovens reivindicando "passe livre" em algumas capitais foram mostrados sem relevância nos noticiários de rotina. Inesperadamente, as manifestações adquiriram o caráter de luta política apartidária.
Em pequena escala, houve ações de vandalismo. Felizmente, os governantes contiveram a violência policial e isto evitou uma tragédia que fizesse mártires e produzisse uma revolta geral de graves conseqüências. Passada a surpresa, os analistas sociais tiveram o bom-senso de classificar as ações de vandalismo como atos destrutivos, que devem ser inibidos pelas autoridades mas merecem respeito como fatos políticos.
Daquelas manifestações populares nada resultou de concreto. Mas a percepção do povo brasileiro não é a mesma de antes. E o futuro da política brasileira vai ser afetado por isto. As autoridades políticas permanecem sem ânimo para mudanças, mas suas explicações não convencem mais. As denúncias de corrupção e mal-uso do dinheiro público agora soam como fatos consumados, descarados e indefensáveis.
No Rio de Janeiro, persistem os protestos pacíficos e não-pacíficos contra o governador Sérgio Cabral. Os manifestantes enfrentam a polícia para reclamar junto ao Palácio Guanabara (sede do governo), à residência particular do governador no Bairro Leblon, à Câmara de Vereadores e ao Estádio do Maracanã. Além da pauta de reivindicações, há indignação contra o uso particular abusivo de helicópteros do Estado.
Dos cartazes "Queremos transporte, escolas e hospitais no padrão FIFA", resta em andamento o confronto entre o governo federal e os médicos. O governo, de forma medíocre, resume os problemas da saúde na escassez de médicos no SUS. Os médicos fazem greve contra a contratação de médicos estrangeiros, contra a residência médica obrigatória no SUS e aproveitam para reivindicar melhores condições de trabalho e salários.
Este cenário – no qual existem governos apáticos, políticos desonestos, manifestantes violentos e profissionais classistas – parece ser de uma pura crise democrática. Ou seja, de uma ruptura com os ideais e práticas democráticos. Afinal de contas, não é assim que a nação vai conquistar transporte, educação e saúde de padrões elevados. Parece óbvio que a democracia está sendo testada e poderá não reagir.
Mas é um erro pensar que isto é crise. Os políticos incompetentes e desonestos, os violentos que depredam e incendeiam, os médicos que se defendem e se omitem são estratos normais de uma nação democrática. Eles não rejeitam nem colocam em risco o regime democrático. Tais quais outros grupos sociais, eles provocam turbulências na dinâmica democrática, mas sofrem mudanças impostas pelas tendências democráticas.
Os poderosos bancos internacionais e empresas globais, estes sim, colocam em crise as modernas democracias, pois restringem as liberdades sociais nos países. Porém, a pior crise democrática acontece onde o povo vota, mas diminui sua participação política, permitindo a degeneração da representatividade e a exclusão de contingentes sociais. Porque, não há democracia de fato onde o povo se comporta como espectador.

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