Nobreza inerte

*Vitor Sapienza
No final dos anos cinquenta, os alunos da rede pública de ensino eram incentivados a participar da "campanha de desarmamento infantil". Os estudantes entregavam pequenas armas de brinquedo, estilingues e gibis, e recebiam em troca livros didáticos e revistas infantis. É evidente que a violência que se combatia naqueles tempos, além de ser infinitamente menor do que a de hoje, tinha outras conotações. Os apelos de consumo eram outros, algo insignificante ao que temos hoje, e a postura da sociedade era totalmente diferente.
Não eram poucos os educadores que condenavam a leitura de gibis, e mesmo assim, era comum vermos alunos trocando essas revistas onde o heroi portava armas de fogo e espadas, e sempre combatia o mal tendo a ética como diretriz. A então combatida violência tinha, sempre, a figura do "mocinho" que punia os vilões e, no final feliz, balançava o coração da "mocinha".
"Bons tempos" nos revelam a nossa visão saudosista. Tempos em que, apesar da violência dessas revistas, comparando ao que temos hoje, chega a ser banal. O tempo mostrou que a leitura dos gibis abriu espaço para o hábito da leitura, algo que, nos dias atuais vai desaparecendo a cada dia. O que se condenava naquele tempo, chega a ser hilário nos dias de hoje. A sociedade se tornou mais permissiva, menos crítica, e adepta da linguagem chula. A postura eclética deu lugar a uma gente que aceita com a mesma naturalidade o palavrão, a falta de conteúdo, a postura grosseira, o desrespeito ao bem comum, aos idosos, à pátria.
Condenava-se também o hábito de colecionar figurinhas e a prática do jogo de bafo-bafo, onde, no pátio das escolas e nas ruas, as crianças se reuniam e disputavam usando a mão em forma de concha, tentando desvirar figurinhas. Hoje, decorridas algumas décadas, para a nossa alegria ou indignação, vemos um grande jornal paulista oferecendo álbuns para que os jovens retomem o hábito de colecionar figurinhas. Volta ao passado, ou oportunidade de negócios? Ambos, talvez!
E nessa volta ao passado, façamos algumas comparações. O que tínhamos como violência é muito diferente do que vemos. O que era proibido para menores de dezoito anos é algo rotineiro, comum no tal horário nobre que a televisão criou. Nobre porque é quando a grande maioria da sociedade já está em casa, manipulada e à mercê da poderosa máquina que forma, deforma, transforma e informa.
Horário nobre. Nobre para quem, cara pálida? Nobre para a máquina bem azeitada do marketing que determina hábitos, unifica costumes, massifica culturas, cria modismos e massacra tradições? Assim, no nosso pobre conceito de nobreza, a cada dia expomos a nossa inércia enquanto nos ajeitamos na poltrona ou no sofá, aceitando passivamente a nossa condição de vítimas da solidão que a televisão nos impinge, na mesma proporção que nos afastamos da boa leitura, da conversa em família, da velha prosa na roda de amigos. É muita nobreza para a nossa triste realidade.
*Vitor Sapienza
é deputado estadual (PPS), ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, economista e agente fiscal de rendas aposentado. Acesse: www.vitorsapienza.com.br

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