O calor das mobilizações

Cleber Affonso Angeluci
Já era sem tempo a necessidade de se buscar uma alternativa para a Democracia representativa, que de fato a ninguém representa. Entretanto, o problema não está nas instituições, não está na saúde, na educação, no PIB, nos políticos como se pensa e se faz crer: o problema maior está na total ausência de comprometimento com a própria Democracia, ou melhor, no exercício da política como pauta prioritária da sociedade brasileira.
Instalou-se em nosso jovem país certo pungente comodismo e um verdadeiro alheamento à participação social. A dificuldade, talvez, se concentre no fato de que hodiernamente seja mais cômodo o ambiente privado, a tela do computador e o isolamento que se traduz num verdadeiro egoísmo engajado na manutenção do estado de coisas. É este cenário de superficialidade que, como pano de fundo, está servindo para a tônica dos protestos que tem levado milhares de pessoas, jovens, crianças, adultos, idosos às ruas das mais diversas cidades em busca de algo que, para o desassossego de muitos, não é palpável, não é vislumbrado no horizonte do que até hoje se viveu.
O movimento social não é de direita, não é de esquerda, não é de centro. Dizem alguns que se trata de movimento apartidário, simplesmente democrático de protesto, cujo mote se centra numa verdadeira abstração de insatisfação, num conjunto de pleitos dos mais variados, que vão desde o repúdio aos gastos públicos com estádios de futebol até o caos urbano dos grandes centros, a ausência de médicos, de remédios, de escola, de professores, de educação. A corrupção também aparece na pauta, inclusive pontuando a necessária intervenção de um Legislativo, que de cócoras, está a reboque de um Executivo tacanho e adestrador.
As manifestações das ruas representam o sintoma de que não está tudo bem, de que algo está errado e de que há necessidade urgente de mudanças. Nesta esteira, sentindo esta pressão, os nossos representantes começam a agir, a idealizarposturas que possam pautar o debate democrático e estabelecer novamente a paz, ainda que seja aquela da alienação, do alheamento político.
Este o maior perigo e o maior erro que se pode cometer neste momento de levante mobilizador em busca de uma vocação: a democracia participativa! Talvez não seja necessária nenhuma reforma das instituições e do sistema eleitoral brasileiro, não neste momento, especialmente porque esta postura se reveste de um verdadeiro engodo, para não dizer golpe, no sentido de apaziguar os ânimos e retornar ao estado anterior de calmaria e de comodismo pelos quais as decisões são tomadas ao arrepio dos verdadeiros anseios públicos.
No Brasil, até ontem o pacto democrático instalado, a partir do comodismo e do individualismo consistia na participação com o voto, individual, como que a entrega de um ‘cheque em branco’ para que os eleitos pudessem, durante quatro anos, exercer a representação da forma como bem entendesse. Ora, quem entrega um cheque em branco a alguém, no mínimo sofrerá consequências e muitas delas indesejáveis e funestas às próprias finanças. Das duas, uma: ou muita ingenuidade ou o prazer pelo risco! Não é crível e aceitável nenhuma delas.
Não nos enganemos com reformas políticas, plebiscitos e quaisquer outros tipos de instrumentos aptos a nos calar, a nos apequenar, a nos mandar para a casa! Precisamos sim de mobilização constante e diuturna, reflexiva, participativa e efetiva, somente assim, agindo junto com os representantes poderemos exercer uma verdadeira Democracia, sem intervenientes e com a responsabilidade dos acertos e também dos erros.
Foram duras as vitórias até aqui conquistadas, muitas herdamos de lutas longas e de penosas revoluções, a exemplo da liberdade, da igualdade. É preciso buscar agora a fraternidade num verdadeiro enlace de anseios e desejos para que possamos juntos e solidariamente construir o país Gigante que nos mobiliza, um Brasil que seja também e, acima de tudo, o MEU PAÍS! O nosso PAÍS! Cleber Affonso Angeluci: Professor do Curso de Direito da UFMS – Câmpus de Três Lagoas.– cleberangeluci@gmail.com

Comentários