Admirável mundo velho

* Dimas Eduardo Ramalho
As manifestações que começaram em São Paulo, se ampliando para todo o Brasil, geraram sensação de desamparo para os políticos e de falta de compreensão da população de modo geral. As causas vão muito além das aparentes e têm origens muito mais complexas, que não poderão ser entendidas à luz de um pensamento político tradicional. Pode ser o interregno que falava Gramsci "a crise consiste precisamente no fato que o velho esta morrendo e o novo ainda não pode nascer. Neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem".
As transformações que acontecem não são um fenômeno completamente novo e estão extremamente relacionadas ao advento da Internet e suas transformações sociais. Análises feitas por estudiosos como Manuel Castells, Michel Maffesoli, Pierre Levy e Massimo Di Felice, com influências de Norberto Bobbio, McLuhan, Vattimo, entre outros, nos explicam teoricamente o ocorrido.
Os meios digitais proporcionaram uma nova arquitetura de informação, em que a lógica piramidal de distribuição de um pequeno grupo comunicado para uma grande massa, dá lugar a uma comunicação reticular de "todos para todos", descentralizada, bidirecional, horizontal, interativa. Ou seja, há aquilo que Gianni Vattimo definiu como "tomada coletiva da palavra", em que o público, antes apenas receptor, torna-se produtor de conteúdo. A própria cronologia dos acontecimentos revelaram esse novo poder: nos primeiros dias de protesto, a grande mídia avaliou o movimento como negativo e violento; momentos depois, os manifestantes veicularam nas redes a repressão e agressões arbitrárias da polícia, que então predominaram e ganharam corpo nas próprias grandes empresas de comunicação.
Essa nova forma de interação e de participação do indivíduo se reflete na política. A rede digital cria o que é a chamada cyberdemocracia, uma forma de democracia ativa e direta, em que não há intermediários, em contraposição à política tradicional, representativa. Massimo Di Felice, fazendo uso de uma citação profética de Norberto Bobbio, alega que uma democracia plena e absoluta só aconteceria quando houvesse um meio pelo qual "o indivíduo possa, com um simples apertar de um botão, distribuir o próprio parecer, a própria idéia, o próprio voto, em tempo real para a população inteira." Nesse contexto, ganham força, formas organizativas, que se articulam em diversos países, atuando conforme o "net ativismo", como o M-15, Indignados, Anonymous, Movimento 5 Estrelas, Occupy, etc.
Os meios digitais propiciaram o que se chama de pós-modernidade, período em que, pela intensa multiplicação dos discursos, das constantes atualizações e da possibilidade de criação de conteúdo por qualquer indivíduo, caracteriza-se pela dificuldade de estabelecimento de verdades absolutas e da manutenção de grandes instituições. Com isso, o tripé razão, trabalho e progresso da modernidade satura-se e a nova geração, segundo Maffesoli, "acentua não o trabalho, mas a criação. Não o progresso, mas o presente. Não a razão, mas a imaginação".
Então, ao invés da política na era da razão, programática, o que tivemos foi uma manifestação sem uma grande causa, e sim com preocupações cotidianas. O que importa agora não é mais o futuro, e sim o presente. Assim, o movimento não tem uma identidade, não pode ser reconhecido embaixo de bandeiras políticas, o que torna difícil que seja rotulado, lido na perspectiva de uma política tradicional, e vencido. O que temos são demandas específicas que conectam indivíduos fora da órbita de disputa pelo poder.
Tudo isso acontece com motivação emocional. Como diz Maffesoli, o que temos não é o engajamento, que é racional, mas a indignação, que é emocional. E a ideia cartesiana individualista do "Eu penso" se desloca para "nós", dentro da lógica da Internet, das redes sociais, em que o que importa é o "estar junto". Ao invés da razão do indivíduo, temos as emoções coletivas. Um exemplo disso são os "flash mobs", que objetivam o encontro e a interação, seja por razões lúdicas, políticas ou festivas.
Assim como surgem de forma rápida, sem embasamento em uma causa, as manifestações atuais também tendem a desaparecer de forma rápida. Mas com certeza irão impactar as instituições e fazer com que a política e sociedade sejam mais profundamente repensadas. Nada será igual após este outono-inverno com gosto de primavera! *Dimas Eduardo Ramalho é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e Professor de Direito

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