Sem consolo ou justificativa

Marta Sousa Costa
www.martasousacosta.com
Uma tragédia sem precedentes se abateu sobre a cidade de Santa Maria.
Até o momento em que tento escrever esta crônica, são 231 os mortos contabilizados e mais de uma centena de jovens lutam pela sobrevivência, nos hospitais de Porto Alegre e de outros municípios gaúchos. O melhor da nossa juventude, jovens universitários, cheios de planos e ideais, grande parte recém ingressando na universidade, após anos de esforço e comprometimento. Não há consolo nem justificativa para as famílias que choram seus filhos, netos, irmãos, amigos. Só a dor de não entender.
Essa é a crônica que jamais desejaria escrever, mas, como colaboradora do jornal A RAZÃO, de Santa Maria, sinto a obrigação de acrescentar este grão de solidariedade à montanha que se acumula, sob as mais diversas formas, direcionada à cidade universitária, acostumada a festejar os feitos de seus filhos, despreparada para enfrentar tragédia de tão enorme dimensão.
Aos pais, mães e todos que perderam seus bens mais valiosos, não adiantam explicações e justificativas; nada é capaz de serenar a dor que se faz mais forte, conforme aumenta a saudade e a certeza do nunca mais.
É comum, após cada tragédia, surgirem explicações e os pontos frágeis de cada situação serem apontados, mas, na euforia de organizar, criar eventos ou programações, os riscos tendem a ser minimizados, principalmente quando os eventos são repetitivos e sempre bem sucedidos. Ninguém, em seu juízo perfeito, escolheria causar uma tragédia – ainda que pudesse ocasionar a destruição de uma única vida, todas tão valiosas – só que a repetição de eventos bem sucedidos pode provocar o relaxamento com a segurança, porque ela parece garantida, já que tudo sempre funcionou a contento.
Seja essa a lição que sobre, na tragédia do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria: riscos existem, sempre, daí a segurança ser prioridade; medidas de precaução, como não ultrapassar a capacidade de cada ambiente ou meio de transporte, devem ser observadas pelos responsáveis, incansavelmente; organizações de controle, como Corpo de Bombeiros e outras, precisam exigir os alvarás em dia, com menos detalhes burocráticos e maior importância ao que é realmente importante.
Alguns cuidados podem ser tomados, para diminuir os riscos – aqueles cuidados observados pelos mais velhos e muitas vezes ridicularizados – como não levar crianças a locais com grandes aglomerações; localizar as saídas de incêndio, ao se instalar em lugares públicos; observar a confiabilidade e manutenção dos estabelecimentos frequentados, em vez de simplesmente preferir os de menor preço.
Mas nada disso, ainda que levado às últimas consequências, torna nula a possibilidade de uma tragédia. Um pequeno erro humano, um minuto de desatenção, a falha mínima em algum mecanismo de controle, uma última acelerada para testar a potencia da máquina, qualquer coisa fora do lugar e da hora pode ocasionar a tragédia. Principalmente quando, sem que se entenda o porquê, aquele era o momento predestinado para alguém.
Pela certeza de que somente o tempo pode apaziguar a dor e transformar a saudade, junto o meu abraço ao de todos, brasileiros e estrangeiros, que acreditam na solidariedade como único conforto a oferecer, quando a dor e a inconformidade superam a nossa compreensão.

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