“Lei Seca” : Incitamento à impunidade?!

Por Leonardo Martins Régis e Cláudio Ribeiro Lopes
Atualmente, a condução de veículos após ingestão de bebida alcoólica mostra-se cada vez mais comum e um perigo real. Portanto, sendo o Direito uma ordem de paz, deve tal comportamento ser regulado pelas normas que regem a vida em sociedade. Acontece que, em alguns casos, há o conflito entre a vontade da norma e o anseio popular.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) excluiu as provas testemunhais e o exame médico do rol de evidências válidas para se atestar a embriaguez na condução de veículos automotores. Assim, o que se viu foi uma verdadeira onda midiática de ataques à referida Corte, por se entender que isso dificultaria a aplicação das sanções oriundas da chamada "Lei Seca". Tais ataques advêm de matérias jornalísticas que analisam e julgam, sem qualquer referencial teórico, as questões cotidianas. Consequentemente, essa opinião alastrou-se por toda a sociedade brasileira, que, na perseguição da justiça, absorveu essas informações e acabou por utilizar os meios incorretos para alcançar a mudança requerida. A deliberação principal faz exposição de que a acertada decisão serviria como um sinal verde para a impunidade, em âmbito criminal, de motoristas flagrados em desacordo com o artigo 306 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro). A partir disso criou-se, em caráter nacional, uma atmosfera de repúdio, exclusivo, ao STJ; porém, no que tange às competências, não estaria o órgão somente cumprindo sua atribuição dentro do Estado?
Analisando atentamente a formação democrática do Brasil, observa-se que essa inoportuna movimentação popular age de modo errôneo ao buscar o verdadeiro responsável pela decisão recente. Adota-se, em território nacional, como pedra fundamental do poder democrático, a chamada Teoria da Tripartição dos Poderes, que estabelece a divisão entre Legislativo, Judiciário e Executivo e suas respectivas atribuições. Tratando em especial dos dois primeiros, temos o Poder Legislativo com função precípua de legislar, ou seja, elaborar, modificar e revogar as leis de acordo com as mudanças recorrentes na sociedade e o Judiciário com a incumbência precípua de julgar, com base em tais leis. Ao Executivo, resta conferir operacionalidade num regime de gestão pública, das leis e demais atos normativos. Partindo desse pressuposto, conclui-se que o STJ apenas interpretou respeitosamente o que foi elaborado pelo primeiro, visto que o Judiciário cumpre papel tipicamente interpretador da norma elaborada. Podemos até admitir que a decisão citada é reflexo da má formação legislativa da matéria. A falha de redação apresenta-se da seguinte forma: "Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor".
Assim, ao atribuir um número exato na concentração alcoólica no sangue do agente, o legislador transformou o delito em fato que exige prova pericial inequívoca e certa, fim não alcançado pelos métodos reprovados pelo Superior Tribunal de Justiça. Se o próprio texto da lei exige critério objetivo para uma acusação penal, o Judiciário não possui competência para modificar tal critério para o âmbito subjetivo, ainda mais quando impera o dogma de que ninguém pode ser obrigado, por lei ou por decisão judicial, a produzir prova contra si. A indagação que persiste na sociedade é a de que, sem provas testemunhais e exames médicos, como se provará a embriaguez do condutor, uma vez que é aplicado, como garantia fundamental, o princípio acima mencionado, premissa que estabelece o direito do acusado de, no caso, não assoprar o etilômetro e, muito menos, submeter-se ao exame de sangue.
A resposta a essa questão popular deve ser oferecida pelo estruturalmente responsável reprodutor das aspirações da sociedade, o Legislativo. Como exposto, sua incumbência é exatamente essa, portanto, por meio dele, e somente dele, a norma pode, e deve, ser modificada no intuito de se obter uma redação que seja adequada aos moldes contemporâneos. A questão deve ser inscrita na relação das modificações essenciais do ordenamento jurídico, pois trata-se de matéria extremamente relevante para a sociedade e, por conseguinte, passível de caráter emergencial. A mão para se atingir essa modificação é o exercício da pressão aos representantes do povo, eleitos democraticamente, predestinados a atender o arbítrio de quem os elegeu. Em suma, cobremos do Legislativo e absolvamos o Judiciário.Leonardo Martins Régis: Acadêmica do curso de Direito da UFMS de Três Lagoas. E-mail: leoo_martins@hotmail.com Cláudio Ribeiro Lopes: Professor Assistente do curso de Direito da UFMS de Três Lagoas. E-mail: clopes@stetnet.com.br

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